domingo, 12 de agosto de 2012

Folha de S.Paulo - Cotidiano - Sou 'pai' dos meus pais - 12/08/2012

Folha de S.Paulo - Cotidiano - Sou 'pai' dos meus pais - 12/08/2012: "Sou 'pai' dos meus pais

"

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Sou 'pai' dos meus pais
São raros os casos em que os filhos homens assumem integralmente o cuidado dos pais; com o aumento da longevidade no Brasil, a inversão de papéis, no entanto, será cada vez mais frequenteJAIRO MARQUES
DE SÃO PAULO
O engenheiro civil Eduardo Martins Verdade, 57, teve de deixar mais cedo o trabalho na quinta-feira. Foi levar e acompanhar o pai, Fernando Martins Verdade, 85, a uma consulta médica.
Com a expectativa de vida dos homens brasileiros batendo na casa dos 74 anos, está mais comum ver filhos desempenhando um pouco da tarefa de ser "pai dos pais".
Esses "filhos-pais" não só levam ao médico, como dão tratos pessoais, pagam as contas, levam para as "baladas" e convivem no mesmo teto que seus "pais-filhos".
"Depois que me separei, há dois anos, fui morar próximo dos meus pais, mas não só para poder ajudá-los, como por prazer. Meu pai precisa de alguns cuidados médicos, está usando sonda urinária", conta. "Dou meu máximo para retribuir um pouco da atenção que ele me deu ao longo da vida", diz Eduardo.
Morador do Ipiranga, na zona sul de São Paulo, ele também ajuda nos cuidados da mãe, Rosa Carmem Cassiano Verdade, 80.
O funcionário público Marcos Aurélio Schiavon, 57, pai de quatro filhos, auxilia o pai, Arnaldo Luiz Schiavon, 89, a fazer tarefas do dia a dia.
"Meu pai é totalmente lúcido, forte, mas é dependente porque quase não enxerga e escuta pouco. Então, qualquer locomoção que ele precise fazer fora de casa, é preciso ajudá-lo", diz Marcos. "Levo para o médico, para almoçar fora, para passear, para baladas familiares. Mas prefiro fazer tudo isso a não ter mais meu pai comigo." Ainda segundo ele, as dificuldades que o pai tem atualmente acabaram por estreitar mais laços entre os dois.
"A gente conversa muito. Ele ainda me aconselha, dá orientações. Nino meu pai igual a ele me ninava quando criança."
UNIVERSO FEMININO
Para Tai Castilho, do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo, são raros os casos em que os filhos homens assumem integralmente as responsabilidades com os pais.
"Cuidar ainda é muito do universo feminino. Homem gosta é de ser cuidado. Mas, em geral, as famílias brasileiras ainda estão pouco preparadas para o fenômeno da longevidade."
Para que dê certo levar um pai doente ou fragilizado para dentro de casa, diz a terapeuta, é preciso harmonia na família e boa divisão dos custos gerados pelo idoso.
Faz 12 anos que o gerente de recursos humanos Paulino Matsuzaki, 59, de Poços de Caldas (MG), levou o pai, que morava no interior de São Paulo, para morar em sua casa, no interior mineiro.
"Quando minha mãe morreu, meu pai ficou com minha irmã, mas, pela tradição japonesa, é o homem quem cuida dos pais na velhice. Faço isso com muito amor. Dou banho nele, que quase não anda mais, todos os dias. Troco as fraldas geriátricas e dou comida."
Matsuzaki afirma que conta muito, também, com a ajuda da mulher dele.

domingo, 3 de junho de 2012

Casa e Jardim - NOTÍCIAS - Respiros urbanos

Casa e Jardim - NOTÍCIAS - Respiros urbanos:

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Respiros urbanos

Eles medem até 30 m². Mesmo não estando em áreas grandiosas, oferecem espaço para receber os amigos e para preencher com plantas. A seguir, cinco jardins que são pequenos oásis verdes para os seus moradores

Texto Stéphanie Durante | Fotos Pedro Abude
Pedro Abude
A unha-de-gato cobre o muro lateral. perto da mesa, mais pés de manjericão. apoiada na cadeira, tina de madeira com triális. Aos pés da jabuticabeira, forração de tapete inglês
Pedro Abude
Mesa, bancada e ripado de madeira no chuveirão, da madeira da Terra.
Sob a bancada, babosa, e à esq., manjericão

Tudo a seu Tempo

A unha-de-gato, que tomou conta do muro lateral de 5 m de altura, era o único elemento verde no quintal de 20 m² desta casa de vila, no Jardim Paulistano, em São Paulo. Hoje, depois da interferência dos paisagistas Fabio Lorente e Izabel Possatto, da OjardiM, pés de manjericão, nectarina e limão siciliano crescem – e dão flores e frutos – nos recortes criados no piso de madeira de demolição. “Descascamos a parede lateral e pintamos com uma solução de cal e pó de terra diluído em água. Além disso, instalamos alguns espelhos para ampliar a visão do verde”, conta a dupla. Logo abaixo deles, uma bancada serve de apoio para a mesa, centralizada sob a sombra da jabuticabeira.

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Pedro Abude
Perto das janelas de vidro, exemplares de fórmio. Ao lado, palmeiras pinanga ladeiam o banco de madeira desenhado pelas paisagistas e executado pela Casual móveis
Pedro Abude
Gengibre-azul. Na foto ao lado, bambus-mossô fecham a
área do ofurô

Cortinas naturais 
Apesar de ser uma extensão da sala, o jardim de 20 m² desta casa na Vila Nova Conceição, em São Paulo, era pouco usado pelos moradores. “Eles queriam curtir mais o ambiente. Nos pediram um espaço agradável para receber os convidados”, contam as paisagistas Juliana Kallas e Leslie Mardegan, da Kallas + Mardegan Arquitetura Paisagística. O fundo verde, recheado de palmeiras pinanga, esconde a caixa de energia e deixa a área do banco mais evidente. Logo à frente, alguns vasos desalinhados trazem ervas e temperos. O muro de tijolos, em frente à sala, foi parcialmente coberto pelo volume dos maciços de gengibre-azul, filodendro rubro e bambus-mossô.

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Pedro Abude
O muro dos fundos foi preenchido com podocarpos. O lateral, com um maciço de tumbérgia-azularbustiva entre duas palmeiras fênix e azaleias topiadas em bola. Na sequência, um renque de abélias esconde parte do avanço da lareira. acima da mesa, o ipê

Poda a favor

Ter uma área de descanso e uma mesa para acomodar as visitas nos churrascos de fim de semana estava entre os desejos dos moradores desta casa no Alto de Pinheiros, em São Paulo. “Para incluir tudo em 30 m², escolhi espécies que aceitam bem a poda”, diz o paisagista Odilon Claro, da Anni Verdi. São elas: podocarpos, tumbérgia-azul-arbustiva, abélias e azaleias. As espécies contornam a área, sem tirar a visão central do gramado. Os revestimentos trazem diferentes texturas ao projeto. De um lado, seixos de arenito e cruzetas acomodam as duas espreguiçadeiras, para esticar os pés e ler. Do outro, o piso curvo de mosaico português foi usado para dar estabilidade à mesa, sob a sombra do ipê.

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Pedro Abude
Renques de íris margeiam o muro, onde o jasmim-estrela
cresce conduzido por cabos de aço. Ao lado do chuveirão,
com ladrilhos hidráulicos da vianarte, xanadu
e jabuticabeira. Móveis da Tok & stok

Como um abraço 
Os proprietários desta casa na Vila Madalena, em São Paulo, já tinham instalado o deque de madeira no quintal de 16 m², porque queriam usar o espaço com os amigos e torná-lo uma extensão da cozinha. Mas sentiam falta de um clima de jardim. “Como o deque ocupa a maior parte da área, trabalhamos com as extremidades junto ao muro”, contam as paisagistas Claudia Diamant e Camila Brito Paula. Entre as espécies eleitas, íris, jasmim-estrela, jabuticabeira e xanadu. Com pouco mais de seis meses de implantação, o jardim se desenvolve sem pressa. É bem provável que no próximo verão o verde vibre entre a colorida parede do chuveirão.

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Pedro Abude
O carro da vez

A casa de vila, no Itaim Bibi, em São Paulo, não tinha quintal. Como a moradora queria um jardim, abriu mão da garagem de 12 m² e chamou a paisagista Michelle Simoncello Boccalato, da Officina di Casa. “Criei um painel treliçado de madeira, de frente para a rua, que fecha o espaço e serve de tutor para a tumbérgia escalar”, explica Michelle. Para camuflar o piso original de cimento e dar uma sensação de jardim, a paisagista colocou pedriscos sobre uma manta de poliéster.

Na antiga garagem, não se veem o muro nem a abertura para a rua, graças à escalada da tumbérgia. Sobre o armário de gás, cactos-macarrão pendentes. Móveis da Tok & stok

Caminhos cruzados: João Gilberto, Guimarães Rosa e a poética do Brasil

ENSAIO
Caminhos cruzados
João Gilberto, Guimarães Rosa e a poética do Brasil
RESUMO A série de textos que a "Ilustríssima" adianta em primeira mão apresenta trecho de ensaio sobre as conexões poéticas entre João Gilberto e João Guimarães Rosa. O texto integra o livro "João Gilberto", organizado por Walter Garcia, alentada fortuna crítica sobre o músico baiano que a Cosac Naify lança nesta semana.
HELOISA MARIA MURGEL STARLING
ILUSTRAÇÃO LUCAS ARRUDA
DURANTE UM EVENTO ocorrido na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em 2009, Chico Buarque causou espanto e surpresa na plateia com uma declaração inesperada: "Não sei se Guimarães Rosa é melhor que João Gilberto. Eu não sei".
A interrogação irresolvida de Chico pode até gerar estranheza, acostumados que ainda estamos ao contraponto entre a chamada alta literatura e as criações populares, entre o culto à soberania da abordagem literária em sua inesgotabilidade de sentido e de permanência e o nosso hábito meio distraído de fazer da canção o complemento natural da atividade cotidiana de viver -mas, ao menos no caso do Brasil moderno, essa interrogação faz todo sentido.
Chico Buarque tem bons motivos para reafirmar a equivalência entre a linguagem literária escrita e a cantada no Brasil. Ainda assim, é possível que a lembrança dos nomes de Guimarães Rosa e João Gilberto seja consequência principalmente do reconhecimento de suas próprias e decisivas influências estéticas.
Afinal, Chico já afirmou diversas vezes haver decidido fazer canções ao ouvir a gravação de "Chega de Saudade", por João Gilberto, em 1958; como também já afirmou ser Guimarães Rosa o autor diante do qual sentiu vontade de fazer literatura: "Foi uma descoberta. Durante um bom tempo, queria escrever à la Guimarães Rosa".
É certo que a partir da passagem para a década de 1960, centenas de jovens em todo o país passaram a compartilhar do mesmo susto e do mesmo encantamento radical com o violão e o canto de João Gilberto e com a potência literária da prosa de Guimarães Rosa. Mas é certo também que, ao menos à primeira vista, os mundos da linguagem criados por eles parecem estar tão distanciados e incomunicáveis, que é inevitável supor a persistência do crivo de uma sutil diferença de tom e de valor.
O terreno é certamente escorregadio. Se de fato for inequívoca a disparidade entre o lugar precário ocupado pela canção e a onipresença do texto literário, então há pouco que fazer: afinal, as possibilidades de comunicação só podem ocorrer em um diálogo de gêneros correspondentes.
Nesse cenário, e embora João Gilberto e Guimarães Rosa tenham composto o essencial de sua obra ao mesmo tempo e no mesmo contexto histórico, não existe chance de correspondência entre eles -exceto, talvez, duas.
PERFECCIONISMO Na primeira, ambos dividiram um perfeccionismo capaz de levar o produto final muito além das exigências do mercado -e, reza a lenda, o editor José Olympio teria destruído as matrizes de "Sagarana", derretendo o chumbo dos linotipos a fim de impedir as obsessivas revisões a que Guimarães Rosa submetia seus textos.
Na segunda, os dois esculpiram, cada um a seu modo, a substância plástica muitíssimo elaborada de uma "persona" criada para dar-lhes uma feição modelada do real e devolvê-la ao público. Com o tempo, os admiradores de ambos passaram a agregar a essas "personas" certa aura de santidade, diversas manias, um sem-número de anedotas e alguma intimidade com o sobrenatural.
No mais, sabe-se que Guimarães Rosa mantinha um ouvido atento ao som do rádio, ao ritmo pulado das marchinhas carnavalescas e ao repertório das grandes cantoras; adorava a voz de Ademilde Fonseca, Carmélia Alves, Emilinha Borba.
Fiel ao repertório da bossa nova, João Gilberto foi sempre enfático ao sublinhar sua profunda admiração por Carlos Drummond de Andrade -e, dizem, a admiração é tamanha que ele é capaz de recitar o poema "Morte do Leiteiro" a um interlocutor desavisado, em meio às suas longas maratonas por telefone madrugada afora.
Contudo, como diria Guimarães Rosa a respeito dos próprios livros, a frase de Chico Buarque "também pode valer pelo muito que nela não deveu caber". No projeto literário de Rosa, isso significava perceber que o potencial da linguagem -e, cabe acrescentar, potencial presente na linguagem escrita e cantada- como meio de comunicação é duplo: ela tanto se afirma como "tradizione", isto é, como ponto de transmissão e interpretação de mensagens entre o passado e o presente, quanto cria combinações num mundo futuro.
Essas combinações só revelam seus múltiplos sentidos e suas perspectivas ocultas a partir de uma chave própria: uma espécie de trabalho de leitura a posteriori de uma ação -um ato de fala- cuja legibilidade foi construída, mas foi também perdida, em algum lugar, ao longo do tempo de duração da obra.
Não parece ser, portanto, por acaso, que entre a voz e o violão de João Gilberto e a escritura de Guimarães Rosa algo do muito que nessa relação não deveu caber suponha, desde o início, uma ampla reserva de correspondências, de semelhanças extrassensíveis que se encontram, se trocam e se completam no campo da linguagem.
PROJETOS Mais precisamente, essa é uma relação que se estabelece entre dois projetos de linguagem -escrita e cantada- que partem de uma mesma e dupla demanda: a afirmação de uma língua poética ainda não saturada, cujo desenvolvimento ainda não se deteve e que ainda é uma língua "além do bem e do mal", nos termos de Guimarães Rosa; uma língua poética que também se firma numa identidade, numa maneira de viver em comum, como provavelmente acrescentaria João Gilberto.
O empreendimento literário de Guimarães Rosa implicava um método: a utilização de cada palavra como se ela houvesse acabado de nascer, para limpá-la das impurezas da linguagem cotidiana e reduzi-la a seu sentido -e som- original.
Já o projeto de linguagem de João Gilberto está ancorado em duas pontas: uma, o investimento rítmico a partir do qual se organizam todos os outros elementos de sua obra; a outra ponta, os recursos para a criação de uma maneira de cantar que busca realizar uma análise interpretativa da canção de maneira radical, explorando aquilo que seu compositor deixou para trás.
Evidentemente, a dosagem e o controle das duas pontas desse projeto dependem de um completo domínio da linguagem. Nos termos de João Gilberto, "música é som. E som é voz, instrumento".
Começa nessa definição um jogo de equilíbrio finamente articulado por ele entre o ritmo do canto e o ritmo do violão; um jogo em que cada sílaba cantada ocupa um lugar milimetricamente exato com os ataques de acorde e os baixos do violão. Trata-se, nesse caso, tanto de evitar deixar o violão "falando sozinho lá embaixo", como ele mesmo diz, quanto de garantir "que a voz se encaixe no violão com a precisão de um golpe de caratê, e a letra não perca sua coerência poética".
A fala é o lugar histórico onde a palavra nasce; o canto, o momento em que esse nascimento se atualiza e a palavra cintila por um instante. Por conta disso, diria João Gilberto, "as palavras devem ser pronunciadas da forma mais natural possível, como se estivesse conversando".
O seu canto é só isso: uma conversa cantada que propõe uma conciliação rítmica no interior da canção, entre o ritmo da fala, da música e do argumento que organiza a narrativa -e que, a partir dos anos 1950, e contando com a sua contribuição, também passou a incluir a forma icônica como recurso estilístico associado ao comportamento temático da melodia.
O personagem central de "Grande Sertão: Veredas", o jagunço Riobaldo Tatarana, costumava dizer que nem tudo no sertão pode ser nomeado, mas "tudo, nesta vida, é muito cantável".
A arte de produzir um jeito de cantar em que cada palavra suporta o peso de seu significado e a consistência de sua sonoridade talvez seja outro indício dos processos que engendram as semelhanças não sensíveis por onde nasce o diálogo de João Gilberto com Guimarães Rosa.
Afinal, vale insistir, o que não pode ser nomeado é cantável: por meio do canto falado de João Gilberto, brota invariavelmente a constelação de significados contida nos sons de uma frase em que as sílabas ocupam um lugar preciso no comportamento temático da melodia -como se eles lá estivessem escondidos desde sempre à espera desse canto.
No interior da ficção de Guimarães Rosa, a longa conversa entre a palavra e o som busca executar um procedimento análogo: revelar a mesma constelação de significados que habita os extremos da experiência da linguagem.
BRASIL A relação de João Gilberto com o Brasil é análoga à de Guimarães Rosa: pessoal, intransferível e imaginada. Como ele mesmo tentou explicar, ao recordar, 30 anos depois, sua participação ao lado de Tom Jobim, no famoso "Concerto da Bossa Nova", no Carnegie Hall, em Nova York, brasilidade provém da alma, carrega a marca dos afetos, traduz uma projeção do desejo: "Nós ali, fazendo música. Nós ali, representando o Brasil. A gente querendo homenagear o Brasil, a gente querendo o bem do Brasil".
O "Concerto da Bossa Nova" aconteceu em novembro de 1962 e, de certo modo, marcou o final do tempo da obra que João Gilberto compartilhou com Guimarães Rosa. Seis anos antes, quando esse tempo teve início, em 1956, o país vislumbrava a oportunidade de realização do que se pode chamar de uma utopia brasileira.
Em maio desse ano, Juscelino Kubitschek, recém-empossado na presidência da República, sonhou inventar as bases para que a nossa sociedade se tornasse capaz de superar as marcas e os estigmas do subdesenvolvimento: avançada, comprometida com um amplo programa modernizador e por consequência, capaz de produzir os mecanismos de integração do interior ao centro, do Brasil ao mundo, da tradição ao moderno.
Juscelino gostava de música, tinha "mania de escritor", obsessão pela ideia de progresso e encantamento por tudo que era novo e moderno. A utopia brasileira que alimentou seu governo estava embalada por duas características principais: propunha o projeto de um Brasil possível como oportunidade a ser necessariamente alcançada; sustentava-se na crença de que sua concretização dependia da vontade do Estado e do desejo coletivo de um povo que, enfim, teria encontrado o seu lugar e o seu destino.
PASSADO E FUTURO Guimarães Rosa tomou o passado como o lugar de uma reflexão sobre uma experiência vivida; em João Gilberto, a recordação é uma estratégia de acesso ao conhecimento que lhe permite experimentar novos caminhos -visível, por exemplo, nas recriações que realizou de velhos sambas das décadas de 1930 e 1940 e quase completamente esquecidos. Nos dois projetos de linguagem, porém, está implícita ou explícita a percepção do traço ambíguo que funda a utopia brasileira dos anos 1950.
Tanto para Guimarães Rosa quanto para João Gilberto, a escolha não é entre o antigo e o moderno; é entre aquilo que está prestes a desaparecer e o que ele ilumina no instante de seu desaparecimento: a promessa que não se cumpriu, o seu outro e seu contrário.
O projeto literário de Guimarães Rosa fez o registro detalhado das ruínas, fragmentos, detritos, resíduos de tudo aquilo que o Brasil modernizado pelo desenvolvimentismo de Kubitschek não conseguiu mais aproveitar e a República descartou por improdutivo, supérfluo, inútil: a massa compacta de vaqueiros, tropeiros, jagunços, garimpeiros, romeiros, roceiros, caipiras, prostitutas, índios, velhos, mendigos, loucos, doentes, aleijados, idiotas -uma gente que não vai a parte alguma, ninguém os reivindica, não são ninguém.
Apenas uma multidão de depauperados e miseráveis que se desloca, sem parar, saindo do sertão, no rumo das grandes cidades brasileiras que simbolizam sua última chance de escape de um mundo de necessidades e carências absurdas -e descobrem, ao fim e ao cabo, a completa inutilidade desse deslocamento.
É certo que a voz e o violão de João Gilberto também se mobilizaram no esforço de tentar capturar a claridade poética que brilha no instante em que algo se perde do Brasil e é tragado, como diria José Miguel Wisnik, por essa utopia cega que devassa e devasta - e se apresenta carregada de exuberância e violência. Mas, diferentemente do percurso de Guimarães Rosa, as canções que ele gravou projetam no futuro, de modo muito eloquente, em seus motivos melódicos e poéticos, percursos alternativos de construção de subjetividade dentro dos processos de modernização do Brasil, a partir de um conjunto de pequenos e delicados valores do mundo privado.
Há quem diga, com muita razão, que, física e musicalmente, João Gilberto não sai de casa - um concerto seu, mesmo em um estádio, mantém algo de uma reunião entre amigos, numa sala de apartamento. Não por acaso. A intuição poética do seu projeto de linguagem é precisamente esta: preservar, num sentido muito real, a profundidade de uma parte do mundo que, uma vez perdida, torna inteiramente superficial a vida de cada um de nós.
A interpretação de João Gilberto, como as canções de Tom Jobim, garante aos brasileiros a sombra de um refúgio -um lugar só nosso, mas dotado de qualidade muito específica que faz emergir, da meia-luz que ilumina nossa vida privada e íntima, valores, sentimentos e ideias, e deriva deles a base de formação de nossas condutas individuais e coletivas.
O jagunço Riobaldo Tatarana costumava dizer que "por cativa em seu destinozinho de chão, é que árvore abre tantos braços". São muitos os braços do Brasil. Graças a eles, o país se equilibra entre esperança e abandono; mas estão abertos por um triz, pela linguagem irisada da voz e do violão de João Gilberto e da ficção de João Guimarães Rosa.
Nota do editor
Nesta versão editada do ensaio, foram suprimidas as notas de rodapé, quase todas de referências bibliográficas.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Folha de S.Paulo - Ciência + Saúde - Impasses políticos globais devem levar conferência a fiasco - 22/05/2012

Folha de S.Paulo - Ciência + Saúde - Impasses políticos globais devem levar conferência a fiasco - 22/05/2012: "RIO+20

ENTREVISTA / EDUARDO VIOLA

Impasses políticos globais devem levar conferência a fiasco"

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RIO+20
ENTREVISTA / EDUARDO VIOLA
Impasses políticos globais devem levar conferência a fiasco
PARA PESQUISADOR DA UNB, PAÍSES COMO EUA, CHINA E BRASIL TÊM ATUAÇÃO CONSERVADORA EM NEGOCIAÇÕES AMBIENTAIS, O QUE DETÉM AVANÇO
Sergio Lima/Folhapress
Eduardo Viola, professor da UnB, em sua casa em Brasília
Eduardo Viola, professor da UnB, em sua casa em Brasília
ANDREA VIALLI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A Rio+20 não trará resultados consistentes. O fracasso da conferência não virá da sua já tão falada falta de foco, mas da atual dinâmica internacional, marcada pelo fracasso da ONU em resolver grandes impasses.
A análise é de Eduardo Viola, professor de relações internacionais da UnB e especialista em política das mudanças climáticas.
Natural de Buenos Aires e radicado no Brasil desde 1976, Viola afirma também que a falta de consenso dos países quanto à própria definição de economia verde contribui para que as discussões da Rio+20 sejam inócuas. Confira a entrevista.
Folha - Podemos esperar resultados práticos da Rio+20?
Eduardo Viola - Devemos esperar pouco, pois essa é uma conferência que não tem peso. O cenário é de impasse, de bloqueio. Os países não estão dispostos a discutir desenvolvimento sustentável, por isso não será uma conferência relevante.
Mas o papel do Brasil, como anfitrião, não é tornar a conferência relevante?
O governo brasileiro não está se esforçando o suficiente, do ponto de vista da política internacional.
E as posições do Brasil são de extrema pobreza, eu diria. Uma verdadeira regressão em comparação às metas arrojadas de redução das emissões de carbono que o governo Lula apresentou em 2009, durante a conferência do clima de Copenhague.
Mas o fracasso da Rio+20 não se deve só ao governo brasileiro. Tem a ver com a estrutura proposta pela ONU, de construção de consensos, que está totalmente obsoleta.
A questão central é que o mundo está dividido. No sistema internacional atual existem três superpotências, Estados Unidos, União Europeia e China, e cinco grandes potências, Japão, Índia, Brasil, Rússia e Coreia do Sul.
As decisões importantes giram em torno da dinâmica entre Estados Unidos e China, que são forças poderosas na geopolítica global, mas têm posturas conservadoras em relação a avançar em uma economia de baixo carbono.
Do ponto de vista do mercado, desde 2008 a China tem feito investimentos pesados em energias renováveis, por exemplo, mas se opõe ferozmente a qualquer avanço na governança ambiental.
Já os EUA são um país extremamente polarizado internamente, não avançam na adoção de posturas mais abertas à sustentabilidade.
As superpotências conservadoras, EUA e China, se escondem uma atrás da outra para justificar os limites de suas posições. É esse impasse que vai impossibilitar qualquer avanço na Rio+20.
E quais são os países que podem liderar a transição para a economia de baixo carbono?
Das oito potências, apenas uma, a União Europeia, tem uma posição avançada, enfatizando a necessidade de criar uma organização mundial ambiental. A Coreia do Sul e o Japão têm posições próximas às da União Europeia, mas mais tímidas.
E o Brasil, como se posiciona nesse cenário?
O Brasil também não quer avançar na construção de uma governança ambiental global. Está no meio do caminho, junto com países como Canadá, África do Sul, Indonésia e Turquia.
Mas continua muito atrelado ao Basic [grupo formado por três países de matriz energética altamente poluente, China, Índia e África do Sul] e ao G77, que inclui os países pobres, nas negociações internacionais. É uma posição contraditória, pois o Brasil poderia se posicionar como um líder na transição para a economia de baixo carbono.
O Brasil defende que sua matriz energética é muito mais limpa do que a média global.
Temos a matriz energética mais limpa das oito potências e um programa de biocombustíveis que funciona desde a década de 1970. Além disso, houve momentos em que predominaram forças mais reformistas em termos de governança ambiental.
Mas no governo de Dilma Rousseff voltamos a um estágio muito conservador. Nossa política industrial é protecionista, pouco inovadora e sequer menciona a transição para a economia de baixo carbono. A própria Lei Nacional de Mudanças Climáticas, que foi o ponto alto das forças inovadoras, agora está parada, sem implementação.
Há 20 anos, às vésperas da Eco-92, também havia o sentimento de que a conferência da ONU não traria resultados.
A Eco-92 foi bem diferente. Na época, estavam emergindo problemas ambientais globais, havia a necessidade de uma retórica diferente sobre o mundo. Infelizmente, o que discutimos é um repeteco do que se falou há 20 anos.
Qual sua opinião sobre o conceito de economia verde, tema central da Rio+20? Não há consenso sobre ele.
Para funcionar, tem de ter uma métrica para água, uma para qualidade do ar, para biodiversidade etc. Por isso é mais interessante falar em economia de baixo carbono, porque já existem métricas.
A criação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que o Brasil apoia, seria um bom resultado da Rio+20, mas é preciso ter indicadores factíveis para medir o progresso. Se em vez de economia verde a Rio+20 discutisse planos de ação para a economia de baixo carbono, com métricas bem definidas, aí teríamos algum sucesso. Mas não é o que vai acontecer.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Divulgamos uma proposta de grupo para refletir sobre o início da prática clínica. 
Para além da discussão entre as linhas teóricas, buscaremos focar a experiência em psicoterapia.


terça-feira, 15 de novembro de 2011

Folha de S.Paulo - Opinião - Pensar a USP - 2011-11-15

Folha de S.Paulo - Opinião - Pensar a USP - 2011-11-15:

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Vladimir Safatle

Pensar a USP

As reações ao que ocorreu na USP demonstram como, muitas vezes, é difícil ter uma discussão honesta e sem ressentimentos a respeito do destino de nossa maior universidade. Se quisermos pensar o que está acontecendo, teremos que abandonar certas explicações simplesmente falsas.
Primeiro, que o epicentro da revolta dos estudantes seja a FFLCH, isto não se explica pelo fato de a referida faculdade estar pretensamente "em decadência". Os que escreveram isso são os mesmos que gostam de avaliar universidades por rankings internacionais.
Mas, vejam que engraçado, segundo a QS World University Ranking, os Departamentos de Filosofia e de Sociologia da USP estão entre os cem melhores do mundo, isso enquanto a própria universidade ocupa o 169º lugar. Ou seja, se a USP fosse como dois dos principais departamentos da FFLCH, ela seria muito mais bem avaliada.
Segundo, não foram alunos "ricos, mimados e sem limites" que provocaram os atos. Entre as faculdades da USP, a FFLCH tem o maior percentual de alunos vindos de escola pública e de classes desfavorecidas. Isso explica muita coisa.
Para alunos que vieram de Higienópolis, a PM pode até significar segurança, mas aqueles que vieram da base da pirâmide social têm uma visão menos edulcorada.
Eles conhecem bem a violência policial de uma instituição corroída por milícias e moralmente deteriorada por ser a única polícia na América Latina que tortura mais do que na época da ditadura militar.
Não há nada estranho no fato de eles rirem daqueles que gritam que a PM é o esteio do Estado de Direito. Não é isso o que eles percebem nos bairros periféricos de onde vieram.
Terceiro, a revolta dos estudantes nada tem a ver com o desejo de fumar maconha livremente no campus. A descriminalização da maconha nunca foi uma pauta do movimento estudantil.
Infelizmente, o incidente envolvendo três estudantes com um cigarro de maconha foi a faísca que expôs um profundo sentimento de não serem ouvidos pela reitoria em questões fundamentais. Era o que estava realmente em jogo. Até porque, sejamos claros, mesmo se a maconha fosse descriminalizada, ela não deveria ser tolerada em ambientes universitários, assim como não se tolera a venda de bebidas alcoólicas em vários campi.
Quando ocorreu a morte de um aluno da FEA, vários grupos de estudantes insistiram que a vinda da PM seria uma máscara para encobrir problemas sérios na segurança do campus, como a iluminação deficiente, a parca quantidade de ônibus noturnos, a concentração das moradias estudantis em só uma área e a falta de investimentos na guarda universitária. Isso talvez explique porque 57% dos alunos dizem que a presença da PM não modificou em nada a sensação de segurança.

VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Folha de S.Paulo - Opinião - A polícia e a USP - 2011-11-14

Folha de S.Paulo - Opinião - A polícia e a USP - 2011-11-14:

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A polícia e a USP

PM tem problemas mais graves a resolver que revistar jovens, universitários ou não, à procura de pequenas quantidades de maconha

Efetuada a remoção do grupo de estudantes que invadira a reitoria da USP, não se dissipou o debate sobre a presença de policiais militares na Cidade Universitária.
Foi ilegítima e antidemocrática a atitude daquela minoria de ativistas, derrotados nas próprias instâncias deliberativas dos estudantes, ao ocupar as dependências administrativas da universidade.
Como mostrou pesquisa Datafolha publicada ontem, a maioria dos alunos (58%) é favorável ao convênio firmado pela reitoria com a Polícia Militar, enquanto 36% declaram-se contrários.
Vale notar, entretanto, que em alguns setores da comunidade universitária as inquietações suscitadas pela atuação cotidiana da PM extravasam o limitado e incandescente horizonte ideológico dos invasores da reitoria.
Não há dúvida, como já foi assinalado neste espaço, que a USP não é território que se excetue, por qualquer razão histórica ou simbólica, ao âmbito da ação legítima do poder de Estado. Muito menos seus estudantes, professores e funcionários constituem alguma casta ou elite que mereça privilégios por parte dos agentes da lei.
Foi particularmente infeliz, sob este aspecto, a frase do ministro da Educação, Fernando Haddad, segundo o qual "a USP não é a cracolândia". É difícil afastar a impressão de que, com isto, sugeria-se existir uma carta branca para a PM reprimir como bem entendesse os miseráveis dependentes do crack no centro de São Paulo, cabendo, ao contrário, mesuras especiais à "gente diferenciada" que frequenta o campus do Butantã.
A lei vale para todo cidadão brasileiro, universitário ou não. Deve valer, contudo, para a própria polícia. São notórios e frequentes, no Brasil, os casos de truculência policial; de assassinatos disfarçados sob o pretexto de "resistência à prisão"; de falsos flagrantes organizados por maus policiais em busca de propina.
A legislação brasileira a respeito das drogas, que deveria avançar no sentido de uma gradual liberalização, já exclui o porte e o consumo pessoal da pena de prisão. Persistem, entretanto, a intimidação e a repressão aos usuários.
Na USP e fora dela, a PM tem problemas mais importantes a resolver do que revistar mochilas de adolescentes à procura de pequenas quantidades de maconha.
Exceto em casos específicos de investigação fundamentada, a polícia não terá reconhecimento da comunidade se encarar como suspeito qualquer agrupamento de rapazes ou moças em seus momentos de lazer, cercando-os do olhar hostil da vigilância armada.
Policiais e cidadãos devem conviver sem desconfiança mútua -essa obviedade está longe de confirmar-se no Brasil. A questão, que não exclui o rigoroso respeito à lei, envolve também um aspecto político, e até de relações públicas, que precisa ser levado em conta em todos os ambientes. Sendo o da USP especialmente sensível ao problema, a inquietação em curso poderia ser uma oportunidade para debater, e colocar em prática, maneiras de superá-lo.

domingo, 6 de novembro de 2011

Folha de S.Paulo - TENDÊNCIAS/DEBATES
Bill Gates: O G20 e o Brasil - 06/11/2011

Folha de S.Paulo - TENDÊNCIAS/DEBATES<br>Bill Gates: O G20 e o Brasil - 06/11/2011:

TENDÊNCIAS/DEBATES

O G20 e o Brasil

BILL GATES


Bem-sucedido em seu processo de desenvolvimento, o Brasil tem compreensão sofisticada daquilo que os países pobres precisam fazer para melhorar

A estabilização da economia global e a geração de empregos estiveram, com razão, no topo da agenda da reunião do G20 na França.
Um risco real, contudo, é o de que algumas das políticas cogitadas por membros-chave do G20 corram o risco de reduzir a assistência e outros investimentos em crescimento e desenvolvimento em muitos dos países mais pobres do mundo.
Seria um erro enorme, porque é precisamente este o momento em que esses países estão preparados para acelerar os avanços da década passada e se tornarem parceiros estáveis e rapidamente crescentes na economia global.
Em vez de recuar, este é o momento de nos engajarmos mais profundamente, em mais áreas e por meio de parcerias novas e instigantes.
O presidente Sarkozy me convidou a apresentar um relatório para os líderes do G20 sobre como ampliar o financiamento para o desenvolvimento, e nesse relatório apresentei ideias muito concretas sobre como fazer isso e deitar as bases para que o mundo consiga atender as necessidades e aspirações de todos os seus 7 bilhões de cidadãos.
Uma das razões pelas quais sou otimista em relação ao futuro é o fato de que países em rápido crescimento, como o Brasil, possuem o potencial de transformar o desenvolvimento. Esse potencial enorme é a razão pela qual a Fundação Bill & Melinda Gates assinou nesta semana um acordo com o governo brasileiro para trabalharmos juntos sobre projetos de agricultura e saúde para beneficiar países pobres.
Tendo avançado com tanto êxito no processo de desenvolvimento, o Brasil tem compreensão sofisticada do que os países pobres precisam fazer para melhorar suas condições de vida. Com enormes capacidades técnicas, pode inventar ferramentas inovadoras para solucionar alguns dos problemas mais renitentes enfrentados pelos pobres.
Um exemplo disso é uma iniciativa recente para melhorar a produtividade agrícola em Moçambique, país onde uma em cada cinco crianças é malnutrida.
Graças à combinação de investimentos generosos do Japão e suporte de capacitação técnica do Brasil, Moçambique está a caminho de conquistar a segurança alimentar e, com o tempo, exportar produtos agrícolas para a região e o mundo.
Os países pobres estão usando seus próprios recursos para liderar seu próprio desenvolvimento. Líderes africanos podem levantar mais dinheiro para o desenvolvimento, com mais eficiência.
Os países do G20 podem ajudar nisso, exigindo que empresas de mineração e petróleo listadas em suas bolsas de valores divulguem o que pagam para os governos de países em desenvolvimento. Dessa maneira, os termos dos contratos envolvendo recursos naturais farão parte de registro público, e cidadãos em todos os países poderão proteger seus interesses.
Os países doadores tradicionais também têm a responsabilidade de continuar com sua generosidade assistencial. Muitos países definiram metas para assistência até 2015, e ainda têm tempo para tomar medidas para alcançar essas metas.
Para concluir, o setor privado pode aumentar seu envolvimento no desenvolvimento. O setor privado é o motor do crescimento econômico e a maior fonte de inovação no mundo, mas nem sempre investe nas necessidades dos mais pobres, porque nem sempre há incentivos para isso. Acredito que há maneiras de encorajar o investimento particular em coisas como tecnologias agrícolas e projetos infraestruturais.
Existem bilhões de dólares em mãos de instituições filantrópicas, investidores de impacto, comunidades de diáspora e fundos soberanos que poderiam ser mobilizados para ajudar os pobres.
Esse trabalho não envolve alguns poucos países ricos dando assistência à moda antiga a um mundo monolítico em desenvolvimento. Ele diz respeito a como novos parceiros podem levar energia nova e transformadora ao desenvolvimento, conservando o mundo no caminho em direção à equidade e ao crescimento econômico de longo prazo.

BILL GATES é copresidente da Fundação Bill & Melinda Gates.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Folha de S.Paulo - Benjamin Steinbruch: Comer de cumbuca - 11/10/2011

Folha de S.Paulo - Benjamin Steinbruch: Comer de cumbuca - 11/10/2011:

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BENJAMIN STEINBRUCH

Comer de cumbuca


Sonhe grande, trabalhe duro, leia livros e jornais, divirta-se de forma sadia e, mais do que tudo, seja feliz

EU TENHO tanto para lhe dizer e com palavras lhe convencer.
Maioridade não é tirar carteira de motorista, ficar independente, poder sair sem avisar e sem dizer para onde, chegar em casa na hora que quiser, dormir até cansar, comer em cumbuca fora de hora, viver um mundo particular.
Pode acreditar, com 18 anos a vida muda -e para muito melhor.
Normalmente, já estamos formados física e mentalmente. Passamos a ser senhores de nós mesmos, com nossas aptidões definidas, embora um pouco confusos com a liberdade adquirida e nem sempre conscientes das responsabilidades que ela exige.
Preocupa-me essa fase de mudança para a idade adulta, porque é nesse momento que devem ser definidos os primeiros e fundamentais compromissos que assumimos para orientar nossas vidas.
Você pertence a uma boa família, que nos ofereceu a oportunidade de receber boa educação e permitiu que tivéssemos uma visão diferenciada de mundo. Nunca nos faltou nada, mas também não sobrou.
Austeridade e simplicidade são valores que cultivamos.
O trabalho sempre nos orientou. Foi por meio dele que, com inteligência e humildade, encontramos o caminho que nos permitiu sonhar grande.
Responsabilidade e determinação são duas armas importantes que a maioridade coloca em nossas mãos. Elas permitem que o jovem adulto enfrente com coragem os novos desafios de sua vida.
Ao atingir a maioridade, você deve agradecer a Deus pelo que recebeu até agora. Depois, olhar para a frente e -por que não?- pedir coisas quase impossíveis.
Se trabalhar com seriedade para isso e for atendido em seu pedido, ficará marcado para sempre pela ousadia, pela coragem, pela sensibilidade e pelo gosto do sucesso.
Reveses virão com toda certeza. É preciso estar preparado para aceitá-los como fatos normais da vida e para tirar deles novos ensinamentos. Devem servir para reflexão e para o fortalecimento necessário nos novos embates desafiadores que invariavelmente virão.
O homem, sobretudo o adulto, sofre muito com derrotas. Mas a experiência mostra que elas sempre são muito úteis para que se possa sentir mais intensamente o sabor das vitórias. E comemorá-las.
Não se isole por causa de derrotas. Fale sobre elas com os que te querem bem. As vitórias, igualmente, devem ser compartilhadas. Ganhar sozinho não tem nenhuma graça, seja no esporte, no trabalho ou em qualquer outra situação.
Seja bom e forte para ajudar os que precisam. Ajudar é muito mais fácil do que ser ajudado.
Seja curioso e aprenda tudo o que puder. A evolução no mundo é cada vez mais acelerada.
Não há como negar, você está numa competição e tem de ser melhor do que os outros. Muito melhor naquilo que se propuser a fazer. Seja corajoso e determinado, acredite em você mesmo. Faça tudo da melhor maneira possível, porque levará sempre consigo a coleção de seus atos.
Nunca se esqueça de que detalhes fazem a diferença. Preste atenção neles. Escreva as coisas interessantes e importantes para que mais tarde possa se lembrar delas em seus mínimos detalhes.
Observe e abrace a natureza -plante árvores, muitas árvores. Quanto mais cedo as plantar, melhor para você, porque terá mais tempo para observá-las.
Você é uma pessoa boa e do bem, coração enorme, um líder natural.
Sonhe grande, ame, defenda o seu país, trabalhe duro, leia livros e jornais, estude dentro e fora da escola, divirta-se de forma sadia e, mais do que tudo, seja feliz, muito feliz. Haverá sempre no céu uma estrela olhando para você. Quanto mais coisas boas fizer, mais ela brilhará.
Este artigo é dedicado a Felipe, meu filho, e aos mais de 2 milhões de jovens brasileiros que estão completando 18 anos em 2011.

BENJAMIN STEINBRUCH, 58, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Escreve às terças-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.
bvictoria@psi.com.br

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Folha de S.Paulo - Com que ong eu vou? - 10/10/2011

Folha de S.Paulo - Com que ong eu vou? - 10/10/2011:

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COM QUE ONG EU VOU?

SEJA NA ÁFRICA OU NO PRÓPRIO BAIRRO, JOVENS FAZEM DIFERENTES TIPOS DE TRABALHO VOLUNTÁRIO E DÃO UMA FORCINHA PARA O CURRÍCULO

BRUNO MOLINERO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Para ter uma ideia, minha lista de amigos do Facebook quase dobrou desde que virei voluntário", diz Renato Dornelas, 18, que ensina taekwondo para jovens carentes.
Ele conta, porém, que o voluntariado rendeu muito mais do que amigos e a sensação boa de estar ajudando quem precisa. A experiência fez com que ele ganhasse uma viagem para encontrar outros jovens voluntários nos EUA. Em novembro, ele participará de um encontro parecido em Londres.
É algo que certamente vai contar muitos pontos no currículo de Renato. "Fazer trabalhos voluntários ajuda na vida profissional. Mostra que o jovem é ativo e tem responsabilidade", diz Manoela Costa, gerente da Page Talent, que trabalha com estágios e trainees.
"É como um intercâmbio: conta como experiência de vida. Mas, além de dizer onde trabalhou, é preciso contar que atividades desenvolveu."
Jaqueline Damasco, 23, por exemplo, acha que a experiência como voluntária no currículo foi fundamental para que ela fosse contratada na empresa de tecnologia onde trabalha. "Quando você diz que é voluntária, chama a atenção." Há um ano, ela visita crianças com câncer pelo Graac (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer).
Mas nem tudo são flores no reino das boas ações. "Quando contei que construiria casas na favela no fim de semana, minha mãe se assustou", relembra Mariana Panseri, 19.
Já a mãe de Taís Siqueira, 20, achou que ela estava louca quando decidiu trabalhar um mês em uma ONG na Nigéria. "Passei fome, calor, tudo!" A casa não tinha chuveiro nem privada. A comida era apenas inhame e banana.
Mas valeu a pena? "Claro! Cresci muito. E foi bom para meu trabalho atual, que envolve direitos humanos." Hoje, ela trabalha em uma comissão sobre o assunto na Assembleia Legislativa de Goiás.
Maria Vitória Pieralise, 15, que visita o Hospital das Clínicas, concorda: "É pesado. Mas você se sente ótimo".

VOLTA À INFÂNCIA
Se você gosta de se vestir de palhaço, é fã de Lego ou adora ser rodeado por crianças, este é o trabalho voluntário ideal. "A gente conversa e brinca com as crianças. Às vezes, até levo brinquedos de casa", conta Jaqueline, que visita o hospital do Graac aos domingos. Na Fundação Gol de Letra, é possível monitorar as crianças enquanto elas brincam ou praticam esportes. Veja onde extravasar toda a saudade da infância:
www.graac.org.br
www.goldeletra.org.br

VERDES E FEROZES
"Sempre me preocupei com o meio ambiente. Como era meio mole para visitar hospitais, acabei no Greenpeace", diz Ranni Soares, 19. Quem quer salvar a natureza pode procurar uma das ONGs abaixo para ajudar a organizar manifestações e a divulgar campanhas. É possível dar uma força nos escritórios das organizações, também.
www.greenpeace.org/brasil/pt
www.wwf.org.br

SEM CASA, SEM COMIDA, SEM NADA
"No começo, eu tinha medo de entrar em favela", conta Mariana Panseri, 19. Mas, desde que entrou para a ONG Um Teto para meu País e começou a construir casas na periferia, ela mudou. Outra maneira de ajudar pessoas sem-teto é distribuindo comida e mantimentos. Veja mais:
www.umtetoparameupais.org.br
www.cruzvermelha.org.br
www.anjosdanoite.org.br

LONGE DE CASA
Nada de férias na Disney. Há quem prefira visitar a Nigéria, a Namíbia ou a Índia. Em vez de hotéis, casas de família. No lugar da piscina, trabalho duro. É possível tentar salvar animais em risco de extinção, ajudar na educação de crianças muito pobres ou tentar melhorar a condição de vida dos adultos. "Trabalhei com gente escravizada. O problema é que, na casa em que fiquei, a empregada era escrava", lembra Taís Siqueira, 20. Veja empresas que têm programas do tipo:
www.ci.com.br
www.experimento.org.br

EDUCAÇÃO
Atenção, classe! Quem tem facilidade para ensinar pode ser professor voluntário em escolas públicas, cursinhos comunitários e outras instituições. "Não dou aulas para ajudar pobres coitados. Estou lá para encontrar pessoas e traçar uma relação com elas", diz Ian Oliver, 22, que dá aulas de literatura no Cursinho da Psico, na USP. Além disso, ele também trabalha em escolas particulares. "É muito diferente.
O cursinho é mais proveitoso. A proximidade com os alunos é bem maior." Veja exemplos:
www.cursinhodapsico.org
amigosdaescola.globo.com

Folha de S.Paulo - Protesto anticapitalista chega a Washington - 10/10/2011

Folha de S.Paulo - Protesto anticapitalista chega a Washington - 10/10/2011:

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Protesto anticapitalista chega a Washington

Manifestantes criam Ocupe DC, em referência ao movimento semelhante em Nova York

Tyrone Siu/Reuters
A exemplo de seus colegas em NY, manifestantes em Hong Kong protestam contra o capitalismo e o sistema financeiro

LUCIANA COELHO
DE WASHINGTON

O vendedor Anthony Allen, 38, chegou à praça McPherson, em Washington, há uma semana. Desde então, acampa ali, protestando para que o país "debata mais seus problemas de fundo, ao invés de só exigir soluções".
Allen e seus colegas foram inspirados pelo Ocupe Wall Street, que há três semanas toma uma praça vizinha à rua sede do mercado financeiro em Nova York. Na tentativa de disseminar a ideia pelo país, criaram o Ocupe DC (DC, Distrito de Columbia, é sinônimo de Washington).
"Podemos ficar aqui até o inverno, vai saber. As pessoas precisam é parar para debater", disse ele à Folha, enquanto observava as filhas de sete e quatro anos na praça -as meninas não acampam ali, estavam só "visitando".
O grupo de Allen, de cerca de 150 pessoas ontem, marchou à tarde pela Rua K, onde ficam os escritórios de lobby. "Nenhum político ainda veio conversar conosco, mas os lobistas, sim -já é algo."
Querem falar sobretudo de desemprego, sistema financeiro, doações de campanha.
Na véspera, uma marcha de outro grupo inspirado no Ocupe Nova York, o movimento 11 de Outubro, acabara em confronto com os seguranças de um museu -manifestantes acusaram guardas de usar gás de pimenta. O museu foi fechado.
Allen acusa os colegas de já buscarem antes voluntários dispostos a ser presos. Na quarta, marcharão de novo.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Grécia, tome a iniciativa


Caberia ao governo declarar a moratória, exigir desconto da dívida pública, sair do euro e desvalorizar a moeda


Muitos analistas criticam os líderes europeus, particularmente a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, pela timidez e hesitação que têm caracterizado suas ações.
Estou de acordo com essa avaliação, mas eu nunca vi credor tomar a iniciativa de perdoar parte da dívida do devedor. Por isso, minha crítica maior é ao primeiro-ministro da Grécia, George Papandreou.
Quando vejo sua imagem na mídia, não posso deixar de me sentir solidário com ele, dado o tamanho da crise que está enfrentando.
Mas não posso também deixar de compará-lo com o presidente argentino Fernando de la Rúa, um político tão correto e bem-intencionado como Papandreou, que, em 2001, diante da crise gravíssima da Argentina, revelou-se um fraco, ficou imobilizado, sem coragem de tomar medidas excepcionais para enfrentar uma conjuntura excepcional.
E não posso deixar de lembrar que foi preciso que um novo presidente, Eduardo Duhalde, assumisse e chamasse Roberto Lavagna para o Ministério da Economia, para que a crise fosse enfrentada com determinação e superada.
Agora, enquanto Papandreou se limita a pedir ajuda e a prometer o que não pode cumprir, pede-se aos líderes europeus que decidam por um grande socorro à Grécia e outros países em crise que envolva a reestruturação e a monetização de suas dívidas e a criação de eurobônus.
Essa é a única solução possível, é condição para que a União Europeia salve o euro e proteja seus bancos. Porque a crise maior é dos grandes bancos europeus, dada sua alta exposição nos países já insolventes ou que caminham para a insolvência.
O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira foi um bom passo na direção do equacionamento da crise, mas sabemos que não tranquilizou o mercado financeiro porque é insuficiente. O fundo terá que ser muito maior, e para isso será preciso que sua necessidade se torne evidente para os cidadãos europeus.
Nesse momento, quem devia estar tomando a iniciativa, quem devia estar cuidando de sua própria casa é o governo grego.
Caberia a ele fazer um plano heroico que envolvesse a declaração da moratória, a exigência de amplo desconto de sua dívida pública e a disposição de a Grécia sair do euro e desvalorizar sua moeda.
Essa é uma política arriscada? Sim, mas não creio que o custo envolvido seja maior do que o que se está pedindo da Grécia.
Pede-se um imenso corte fiscal associado a uma política altamente recessiva que baixe salários através do desemprego. Por meio do plano grego, o desconto seria maior, e o corte fiscal, menor, e o reequilíbrio da conta corrente do país seria obtido pela desvalorização da moeda nacional e não via desemprego.
Diante dessa iniciativa grega, os líderes europeus terão duas alternativas. Ou ficarão indignados, mas isso não resolverá o problema de seus bancos e de sua Europa, ou ficará mais claro para os eleitores o que está em jogo. Não é só a Grécia mas toda a Europa e seus bancos.
Assim, seus governos adquirirão a legitimidade política que hoje não têm para tomar as medidas necessárias para conservar a Grécia no euro e para promover a reestruturação da sua dívida de maneira administrada.

AMANHÃ EM MUNDO
Clóvis Rossi

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Folha de S.Paulo - Da crise de meia-idade
Ao mundo cor-de-rosa - 13/09/2011

Folha de S.Paulo - Da crise de meia-idade<br>Ao mundo cor-de-rosa - 13/09/2011:

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DA CRISE DE MEIA-IDADE
AO MUNDO COR-DE-ROSA


Por que, após o típico baixo-astral entre os 40 e os 50, a maioria fica de bem com a vida?

RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO

Não se trata de mera frescura: a ciência diz que existe, sim, a crise da meia-idade e que ela afeta homens e mulheres em todo o planeta.
Resultados de pesquisas em vários países, na última década, têm mostrado que essa fase bate em média entre 40 e 50 anos, mas varia muito de acordo com a região.
Mas um dado novo, curioso e surpreendente indica que a crise é só o fundo do poço. Depois de atingir o ponto mais baixo de "bem-estar" (alguns pesquisadores chamam mesmo de "felicidade"), a pessoa dá a volta por cima e vai ficando mais feliz por quase todo o resto da vida.
É estranho, pois o senso comum indicaria que a felicidade tende a diminuir a cada velinha no bolo de aniversário.
Os gráficos ligando satisfação pessoal e idade mostram uma curva em "U". A felicidade começa alta, vai caindo até chegar à base da letra e volta a subir com a idade.
Os números variam muito, porém. Em uma pesquisa, a meia-idade chega aos 50 para americanos; em outra, aos 44,5. Os brasileiros atingem a crise aos 46,7, para um estudo, e, para outro, aos 36,5. Na Ucrânia, o mal-estar máximo chega aos 62,1 anos.
"Essa diversidade vem das amostras pequenas nesses países. O número varia menos em grandes amostras", diz um dos autores do estudo da curva do "U" do bem-estar, o economista Andrew J. Oswald, da Universidade de Warwick, Reino Unido.
O estudo analisou 500 mil pessoas, entre americanos e europeus, que responderam sobre seu estado emocional.
Depois de se checar detalhes que poderiam afetar os resultados (renda, vida afetiva etc.), conclui-se que americanos atingem a crise aos 52,6 e europeus, aos 46,5.
"A Segunda Guerra parece ter cobrado um preço maior dessa geração de europeus", na interpretação de Oswald.
E o que explicaria o fenômeno em geral?

ACEITAÇÃO
"Minha teoria é que na meia-idade enfrentamos nossas deficiências e as aceitamos. Então ficamos mais contentes com a vida", diz Oswald. "Eu poderia ter sido jogador de futebol e feito gols contra o Brasil, mas percebi que teria de me contentar em ser professor", brinca.
Outro estudo criou um "instantâneo da distribuição pela idade do bem-estar psicológico nos EUA" com base em 340.847 pessoas. E cravou a crise em torno de 50.
Nesse estudo, a pessoa avaliava, numa escada com degraus de zero a dez, como se sentia em relação à vida. "Em qual degrau você se sente agora?" era a pergunta.
O líder da pesquisa, Arthur A. Stone, da Universidade de Stony Brook, disse à Folha que considera a curva em "U" um enigma. "Nós e muitos outros estamos investigando fatores responsáveis, mas ainda não sabemos."
Entre os fatores que eles esperavam que teriam impacto no resultado e não tiveram estão o gênero, o fato de ter filhos com menos de 18 anos em casa, o desemprego e a falta de um parceiro.
Já o pesquisador Andrew Clark, da Paris School of Economics, usou dados de uma pesquisa britânica para seus estudos sobre a curva do "U". Um questionário com 12 itens registrou as sensações de estresse, depressão e falta de confiança dos entrevistados.
As pessoas responderam se perdiam o sono por preocupação, se se sentiam sob pressão, se perderam a autoconfiança e se pensavam em si como alguém sem valor.
Clark disse à Folha que a curva em "U" reflete o que acontece com gente de mais idade: promoções, filhos etc.
"A diferença entre os países reflete as diferenças nesses fatores. Se você tem filhos aos 20, está lidando com adolescentes aos 35, se tem filhos aos 35, vai lidar com adolescentes aos 50. O divórcio também pode ocorrer em diferentes idades, em cada país. Isso soa como explicação", diz.
E lidar com adolescentes estressa qualquer cristão.
Clark também concorda com Oswald sobre a influência da perda de altas expectativas no aumento do bem-estar após a meia-idade. E dá o mesmo exemplo do jogador de futebol, embora o seu seja mais nacionalista: "Um dia desses eu desisti de jogar pela Inglaterra".
A psicóloga Laura Carstensen, da Universidade Stanford, EUA, é autora de uma teoria pioneira que explica a alta da felicidade na velhice.

SELETIVIDADE
Segundo a sua "teoria da seletividade socioemocional", à medida que os horizontes de tempo vão ficando mais curtos, as pessoas priorizam determinados objetivos emocionais. Passam a evitar amigos chatos, por exemplo.
"A experiência emocional fica melhor com a idade porque as pessoas passam a investir esforço em assuntos importantes para elas", escreveu Carstensen em artigo na "Psychology and Aging".
O artigo descreve um experimento diferente dos outros.
Enquanto os dados coletados por Oswald e Stone produziram um "instantâneo", uma amostra pontual na população, a equipe da psicóloga seguiu um mesmo grupo de pessoas por uma semana e repetiu o questionamento cinco e dez anos depois.
A equipe concluiu: "O envelhecimento está associado com bem-estar geral, maior estabilidade emocional e mais complexidade, evidenciado pela maior ocorrência simultânea de emoções positivas e negativas".
Dá para entender a capa da revista francesa "Le Point", com uma bela mulher sorridente, a estilista Inès de La Fressange, 53, e o título: "A vida começa aos 50".
Ou porque, quando pediram ao dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980) um conselho aos jovens, ele foi incisivo: "Envelheçam".

Folha de S.Paulo - Outras ideias - Anna Veronica Mautner: Arqueologia do cotidiano - 13/09/2011

Folha de S.Paulo - Outras ideias - Anna Veronica Mautner: Arqueologia do cotidiano - 13/09/2011:

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ANNA VERONICA MAUTNER amautner@uol.com.br

Arqueologia do cotidiano


O plástico nos tirou o prazer de espremer a pasta de dentes até o fim. E o desperdício, agora, é muito maior

ARQUEÓLOGO é quem traz à tona o que está enterrado, assim como o psicanalista pretende fazer com a mente. Como tal, quero mostrar como a modernidade vem roubando o espaço que mantém em bom nível nossa autoestima.
No cotidiano, a repetição infindável de certos atos e fatos afasta a nossa atenção e nos torna insensíveis a eles.
Nem vou enumerar todas as coisas que fazemos sem que registremos nem um pensamento sequer a respeito delas. Criamos rituais e tiques para desviar a atenção, para não acompanhar nossos atos. Como se diz: passamos boa parte da vida no automático.
Assim é, a não ser quando a veneziana emperra, o chinelo está fora do lugar, não sai água da torneira ou não achamos a chave. Diante desses imprevistos, focalizamos o fato, pensamos, indagamos.
Ficamos presentes. Se fizéssemos um esforço de presença a cada gesto que deixamos no automático, a vida mental seria muito lenta.
Como psicóloga, gosto de questionar justamente aquilo que passa despercebido. Às vezes, a desatenção é por não querermos perceber (porque não seria agradável ou porque ficaria sem resposta).
Os jeitos de fazer muitas vezes são individuais e outras, herança de família.
Lembro-me agora do tempo em que a pasta de dentes estava numa bisnaga de material metálico. Nós íamos enrolando conforme usávamos o produto, até esvaziar.
Sem qualquer aviso, a bisnaga passou a ser feita de plástico. Não enrola mais. O desperdício é maior e temos de nos acostumar a esta nova era, a da abundância.
Havia orgulho familiar em ostentar, na pia, bisnagas meticulosamente enroladas. O plástico nos tirou o prazer de espremer a pasta de dentes com maior ou menor maestria. Que pena!
E as panelas areadas, que eram colocadas nos muros para secar e, ao mesmo tempo, exibir quão prendadas eram as donas de casa?
No começo, era com areia mesmo que se dava o brilho.Depois veio o sapólio e, agora, pobres de nós, perdemos o prazer de mostrar como sabemos dar brilho. O aço inoxidável já é brilhante.
A modernidade está tirando uma chance após outra de um autoaperfeiçoamento com o qual mantínhamos a nossa autoestima.
Algumas publicidades ainda recorrem a esse passado enterrado, mas não tão longínquo: o branco mais branco, as mil e uma utilidades.
Desenterrando memórias, percebo quantas chances o cotidiano nos dava de termos orgulho de nós mesmos.
Cada dia mais, o que nos resta é comprar e ter condições de fazê-lo. Consumir.
É pouco. É pobre.
Precisamos de melhores lugares para nos espelharmos.


ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora) e "Educação ou o quê?" (Summus).

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Folha de S.Paulo - Bonsai-terapia - 16/08/2011

Folha de S.Paulo - Bonsai-terapia - 16/08/2011

Bonsai-terapia

A arte de miniaturizar plantas ajuda a coordenação motora, a concentração e a capacidade de planejar

Letícia Moreira/Folhapress
Kenji Sugui dá aulas de bonsai a Tsuneo Takada, 82, que se
recupera de um derrame


JULIANA VINES
DE SÃO PAULO

Na aula de bonsai, Tsuneo Takada, 82, aperta com força a tesoura de cortar galhos e levanta para ver como a árvore está crescendo. Nada surpreendente se ele não tivesse perdido parte dos movimentos em um derrame, do qual se recupera há quatro anos.
"Os médicos disseram que ele tinha dois anos para se recuperar. Depois, era difícil ter melhora", lembra Cleide Takada, 54, filha de Tsuneo.
Foram dois anos de terapia, sem muito resultado. Até que a família convidou Kenji Sugui, paisagista que cuidava do jardim japonês da casa, para ensinar bonsai a Tsuneo duas vezes por semana.
Sugui nunca tinha feito isso. O bonsai era um hobby, adotado depois de ele ter trocado a publicidade pelo paisagismo, há 12 anos.
"O bonsai foi uma saída para mim. Eu tive problemas de saúde por ansiedade. Funcionou como terapia."
No começo, as aulas foram orientadas por Cecilia Biesemeyer, terapeuta ocupacional. Mesas e apoios foram adaptados. Os resultados começaram a aparecer logo.
"É uma atividade que deixa ele feliz, nem percebe que está se exercitando, não pensa que é uma tarefa como os outros exercícios", diz Cleide. Segundo ela, seu pai não para de melhorar.
Não foi um milagre. "O bonsai é uma atividade que estimula a capacidade de planejamento, a coordenação motora e a concentração. Além do mais, é algo de que esse paciente gosta", diz a terapeuta. Sempre que pode, ela utiliza a jardinagem na reabilitação de pessoas com dificuldades motoras.
Para Fábio Noronha, autor do livro "Cultivando Bonsai no Brasil" (Escrituras, 172 págs., R$ 36,90), essas miniaturas vivas exigem mais dedicação do que plantas comuns, fazendo com que a pessoa estabeleça um vínculo afetivo com elas. "É uma relação intensa e benéfica. Quem sofre de ansiedade melhora com a prática."
Noronha diz que qualquer um pode ter um bonsai, se estiver disposto a cuidar dele. "Não é frágil ou difícil. Mas as pessoas são acostumadas a ter plantas como se fossem objetos. Um bonsai não sobrevive se for esquecido."

CUIDE DO SEU

Não é verdade que 'bonsai morre fácil'

- Escolha bonsais de espécies resistentes, como jabuticabeira, pitangueira e amoreira

- Desconfie de promoções. Um bonsai simples, verdadeiro, custa de R$ 80 a R$ 200

- Regue todo santo dia. Como há pouca terra na base, um dia sem água pode ser fatal

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Folha.com - Equilíbrio e Saúde - Veja como a arte aborda o tema da melancolia - 16/08/2011

E UMA TRISTEZA

"Melancolia", novo filme em cartaz, chama a atenção para um conceito que hoje se confunde com o da depressão, mas vai bem além da doença

IARA BIDERMAN
GUILHERME GENESTRETI

DE SÃO PAULO

O cineasta dinamarquês Lars von Trier trouxe à cena a melancolia, que estava escondida num canto escuro da casa, encoberta pelo termo médico "depressão".
Seu novo filme é um retrato desse estado de ânimo em todos os aspectos: dos psiquiátricos (sintomas da depressão) aos filosóficos (a tristeza como consciência da solidão humana no universo).
O tema está na ordem do dia, afirma o psicólogo Marco Antônio Rotta Teixeira, que faz sua tese sobre melancolia e depressão na tradição do pensamento ocidental. "Mas a melancolia vem sendo falada com a roupa da depressão."
O atual conceito médico da depressão usa dados mensuráveis para definir esse estado, como tempo de duração de sintomas.
Para a psicanálise, a melancolia é o estágio mais extremo da depressão. A apatia do melancólico é fruto da perda de algo ou de alguém, que precisa ser compreendida e superada, em um processo semelhante ao do luto. A diferença é que, enquanto no luto a perda é compreendida, na melancolia ela é inconsciente: não se sabe o que foi perdido.
"Nada atrai o melancólico, a não ser o próprio sofrimento. Ele está absorvido nele mesmo", diz Sandra Edler, autora de "Luto e Melancolia: À Sombra do Espetáculo" (Civilização Brasileira, R$ 19). A cultura atual conspira contra o melancólico, diz a psicanalista. "Se a pessoa perde algo, precisa se recolher, mas a vida a chama para um eterno desempenho, se não quiser perder espaço."
É o que pensa, também, a psicóloga Ana Cleide Moreira, autora de "Clínica da Melancolia" (Escuta, R$ 37). "Se não temos tempo nem de pensar, não percebemos a perda de algo importante."
Nesse caso, é mais fácil aliviar o sofrimento com remédios. "A sociedade não assimila os estados de tristeza. Precisamos eliminá-los rapidamente para continuar trabalhando", diz Teixeira.
Essa crítica não significa, ressalta ele, fazer apologia da tristeza ou rejeitar as chances dadas pela ciência para lidar com ela.
"As pessoas falam que há um aumento dos casos de depressão, mas o que as pesquisas mostram é um aumento na prescrição de antidepressivos", diz o psiquiatra Ricardo Moreno, do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Mas psiquiatras, psicanalistas e psicólogos concordam que drogas têm um papel importante.
"Muitas vezes é necessário tratar a melancolia com remédios. Sem eles, alguns não conseguem nem chegar ao consultório", diz a psicanalista Sandra Edler.

TEMPERAMENTO DE GÊNIOS
No filme de Trier, as referências aos sintomas de depressão são explícitas. Como na cena em que Justine (personagem baseada na experiência pessoal do cineasta) não consegue nem entrar no banho.
Os clichês usados para abarcar a tristeza profunda também estão lá: noite, lua, sombras, noiva.
É a retomada da concepção de melancolia como algo que tem uma manifestação doentia (a depressão), mas não é só isso, não pode ser explicado só pela ciência e transcende o indivíduo.
Mesmo sem dizer seu nome, as pessoas reconhecem o sentimento de melancolia. Está na hora em que você percebe não fazer parte da festa, no banzo da noite de domingo, na lembrança da morte.
"A melancolia ganhou diferentes definições na história e até hoje é assim, dependendo de quem fala dela" diz Teixeira.
Hipócrates (460-377 a.C.) a definiu como doença causada por acúmulo da bile negra, que resultaria no temperamento melancólico. O vocábulo vem do grego "melas" (negro) e "kholé" (bile).
O filósofo Aristóteles (384-322 a.C.) levou o conceito para outro plano: a melancolia era uma característica da genialidade, associada ao conhecimento e à intelectualidade.
O professor e crítico de arte Rodrigo Naves lembra que a associação entre genialidade e melancolia é de uma época em que o conceito de individualidade não existia.
"A melancolia era uma deusa, que regia as artes liberais. Nessa noção, a pessoa é preenchida por algo que vem de fora, é regida por entidades, planetas", diz Naves.
Na mitologia e na astrologia, é Saturno, deus do tempo, que devora seus filhos, que traz a morte. No filme de Trier, é o planeta que vem acabar com o mundo.
"A grande ideia da melancolia é justamente a de embaralhar as fronteiras entre dois temperamentos que parecem opostos: o da pessoa deprimida e o da pessoa criativa", diz Frédéric René Guy Petitdemange, professor de História da Arte da Universidade Anhembi Morumbi.
Na semana passada, Petitdemange deu uma aula sobre a iconografia da melancolia na arte do Ocidente, baseada em uma exposição sobre esse tema realizada em Paris e Berlim, em 2006.
Para ele, a essência da melancolia -tristeza profunda ligada ao sentimento de vazio, à perda e à impossibilidade de encontrar sentido nos rituais sociais- não mudou. "A maneira de se discutir o tema pode mudar, mas são questões universais."

FOLHA.com
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GUILHERME GENESTRETI
IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO

Como visão de mundo ou expressão do temperamento do artista, a melancolia é um tema recorrente na história da arte.

Conheça diferenças entre depressão e melancolia

Nas artes plásticas, a obra referencial é "Melencolia I", gravura de 1514 do pintor, gravurista e arquiteto alemão Albrecht Dürer (1471-1528).

Divulgação
Melencolia I', Albrecht Dürer
'Melencolia I', Albrecht Dürer

Segundo o crítico e professor de arte Rodrigo Naves, a gravura representa uma concepção de mundo em que estados de espírito e vocações eram regidos por forças exteriores ao indivíduo (deuses, planetas).

Nessa visão, a melancolia é também a deusa das artes liberais, associada ao pensamento reflexivo e à atividade intelectual.

A postura do anjo de Dürer, com a mão apoiada na cabeça, vai se consagrar como símbolo de melancólico.

Divulgação
São Jerônimo no Deserto', Leonardo da Vinci
'São Jerônimo no Deserto', Leonardo da Vinci

Para Frérederic René Guy Petitdemange, professor de história da arte da faculdade Anhembi Morumbi, é a postura prenunciada na obra "São Jerônimo no Deserto" (1480), de Leonardo da Vinci (1452-1519).

Reprodução
Retrato do Dr. Gachet', Vincent Van Gogh
'Retrato do Dr. Gachet', Vincent Van Gogh

É também a posição que vai representar a melancolia em obras dos séculos seguintes, como o "Retrato do Dr. Gachet" (1890), do pintor pós-impressionista Vicent van Gogh (1853-1890).

Luciana Whitaker/Folhapress
O Pensador', de Auguste Rodin
'O Pensador', de Auguste Rodin

A escultura "O Pensador" (1902), de Auguste Rodin (1840-1917), é outro exemplo da representação desse estado de espírito, que reforça a ligação entre a melancolia e a reflexão intelectual.

Reprodução
Saturno Devorando um de seus Filhos', de Francisco de Goya
'Saturno Devorando um Filho', de Francisco de Goya

A simbologia relacionada à melancolia, como o deus greco-romano Saturno (ou Cronos, senhor do tempo) surge na obra do espanhol Francisco de Goya (1746-1828). A pintura "Saturno devorando um filho" (cerca de 1820) é o melhor exemplo e uma das mais famosas da "fase negra" do pintor.

Divulgação
'O Vampiro', de Edvard Munch
'O Vampiro', de Edvard Munch

Seres noturnos (morcegos, vampiros e corujas) são outros símbolos da melancolia usados ou aludidos pelos artistas. Um exemplo é a obra "O Vampiro" (1894), do norueguês Edvard Munch (1863-1944).

Efe
Nude', de Francis Bacon
'Nude', de Francis Bacon

No olhar do século 20, pessoas sozinhas e espaços vazios, com cores frias, retratam a melancolia/monotonia moderna. É o nu do britânico Francis Bacon (1909-1992), com a mesma cabeça apoiada na mão pintada pelos renascentistas ou o solitário que contempla o nada na tela "Office in a Samll City" (1953), do americano Edward Hopper (1882-1967).

NA LITERATURA

Poetas e escritores também foram acometidos pela melancolia.

Reprodução
O poeta romântico Álvares de Azevedo
O poeta romântico Álvares de Azevedo

A sensação de mal-estar marcou o romantismo, movimento literário dos séculos 18 e 19 que começou na Europa e chegou ao Brasil pelas mãos de autores como Álvares de Azevedo (1831-1852) e Fagundes Varela (1841-1875).

"O poeta dessa época vive assombrado pela ideia de perda e pelo suicídio", explica Márcio Seligmann-Silva, professor de teoria literária da Unicamp.

Reprodução
O escritor João Guimarães Rosa
O escritor João Guimarães Rosa

Riobaldo, protagonista de "Grande Sertão: Veredas" (1956), do mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967), é do tipo melancólico, segundo Seligmann. "Ele perde Diadorim e vai trabalhar a perda narrando a sua história", diz.

Reprodução de Cadernos de Literatura Brasileira
A escritora Clarice Lispector
A escritora Clarice Lispector

Clarice Lispector (1920-1977) é outra escritora lembrada por seu temperamento mais introspectivo.

Sua obra mistura duas fontes de melancolia, diz seu biógrafo, Benjamin Moser. A primeira é o Brasil, cuja realidade social a deixava incomodada; a segunda é a sua origem judaica _isso sem falar nos seus dramas familiares.

"Ela era deprimida, mas conseguiu fazer algo com a depressão, que é a sua obra", disse Moser à Folha. "Como os grandes artistas, ela era muito sensível ao que acontecia ao seu redor."

Nos EUA, o escritor David Foster Wallace (1962-2008) é outro exemplo.

Via Bloomberg
O escritor americano David Foster Wallace
O escritor americano David Foster Wallace

O autor dos contos de "Breves Entrevistas com Homens Hediondos" e do romance "Infinite Jest" (ainda não traduzido para o português) sofria de depressão e cometeu suicídio.

"Ele era irônico, sarcástico. Muitas vezes, essa ironia é uma resposta à melancolia", diz Seligmann.

NO CINEMA

Melancolia é tradição dos filmes nórdicos, segundo Luiz Nazario, professor de história do cinema na UFMG. "A luz pálida do inverno, o frio intenso, a solidão e o medo do contato físico... Tudo ali parece levar a uma profunda melancolia."

Divulgação
Cena do filme "Gritos e Sussurros", de Ingmar Bergman
Cena do filme "Gritos e Sussurros", de Ingmar Bergman

O sueco Ingmar Bergman (1918-2007), diretor de filmes como "Gritos e Sussurros" e "A Hora do Lobo", não foge à regra. "A sua obra é uma grande psicanálise da vida dele mesmo. Seus personagens estão mergulhados em depressões existenciais que beiram a loucura", diz Nazario.

Esse estado de ânimo também inspirou os diretores do expressionismo alemão, da década de 1920.

Reprodução
Cena do filme "O Gabinete do Dr. Caligari", de Robert Weine
Cena do filme "O Gabinete do Dr. Caligari", de Robert Weine

Os personagens atormentados desses longas "arrastam sua melancolia por cenários deformados", segundo Nazario. Alguns exemplos: o sonâmbulo Cesare de "O Gabinete do Dr. Caligari" (1920) e o pianista ensandecido de "As Mãos de Orlac" (1925)

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A atriz Nicole Kidman, como a escritora Virginia Woolf no filme 'As Horas
Nicole Kidman como Virginia Woolf no filme 'As Horas'

No mais recente "As Horas" (2002), depressão e morte se repetem nas três histórias do filme, que mistura a vida da escritora inglesa Virginia Woolf (1882-1941) com a de uma depressiva dona de casa americana dos anos 50 e a de seu filho suicida.