terça-feira, 19 de abril de 2011

Folha de S.Paulo - Abuso de álcool cresce e tabagismo cai - 19/04/2011

Folha de S.Paulo - Abuso de álcool cresce e tabagismo cai - 19/04/2011

Abuso de álcool cresce e tabagismo cai

Pesquisa do Ministério da Saúde mostra que consumo excessivo de bebida está aumentado mais entre as mulheres

Levantamento ouviu 54 mil pessoas; número de homens fumantes está em queda e o de mulheres, estável


ANGELA PINHO
DE BRASÍLIA

O consumo abusivo de álcool está crescendo no Brasil, principalmente entre as mulheres. A constatação é de pesquisa divulgada ontem pelo Ministério da Saúde.
O levantamento foi feito a partir de 54 mil entrevistas por telefone com pessoas de mais de 18 anos nas 27 capitais do país. O percentual de brasileiros que bebem em excesso passou de 16,1% em 2006 para 18% em 2010.
O problema atinge mais os homens. Em 2010, 26,8% deles abusavam de álcool. Em 2006, eles eram 25,5%.
Foi entre as mulheres, no entanto, que se deu o aumento mais expressivo: a taxa passou de 8,2% para 10,6% nos últimos quatro anos. Com base em critérios da OMS (Organização Mundial da Saúde), o ministério considerou como consumo excessivo a ingestão de pelo menos cinco doses em uma mesma ocasião por mês para homens ou pelo menos quatro doses para mulheres.
Para Amadeu Roselli Cruz, do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o aumento do consumo de álcool na população feminina está ligado à inserção das mulheres no mercado de trabalho e nas universidades.
"A igualdade de gênero se estende a campos positivos e negativos. Comportamentos que eram tidos como tipicamente masculinos passam a ser adotados pela mulher."
De acordo com Amandio Fernandes, membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, pesquisas mostram que o álcool aumenta o risco de câncer de mama, esôfago, boca, faringe e laringe.

TABAGISMO
A pesquisa do Ministério da Saúde mostra ainda que o tabagismo continua em declínio no país, mas tem encontrado resistência maior entre as mulheres, ainda que o número de fumantes seja superior entre os homens.
Entre 2006 e 2010, a proporção de fumantes caiu de 16,2% para 15,1%. Em 1989, quando o IBGE realizou uma pesquisa semelhante, o percentual era de 34,8%.
Nos últimos anos, no entanto, a queda se deu apenas entre os homens -de 20,2% para 17,9% de 2006 a 2010. Entre as mulheres, o número ficou estável em 12,7%.
Entre elas, aumentou o percentual das que fumam mais de um maço por dia -de 3,2% para 3,6%. Entre os homens, houve queda.
O tabagismo também preocupa entre a população com menor instrução. Pessoas que têm só o ensino fundamental são as que mais fumam -18,6%, contra 10,2% das que têm nível superior.

Folha de S.Paulo - Da boca para dentro - 19/04/2011

Folha de S.Paulo - Da boca para dentro - 19/04/2011

Da boca para dentro


Cantar melhora a capacidade pulmonar, fortalece os músculos da barriga e do rosto, aumenta a resistência física e, ainda, relaxa; solte a sua voz


Daniel Marenco/Folhapress
Jane Tapxure, 62, canta em karaokê na Liberdade, em São Paulo

MANUELA MINNS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Cantar é divertido, quem não sabe. E é bem mais que isso: mexe com várias partes do corpo, faz bem à saúde.
Para começar, quem canta melhora a capacidade pulmonar e o sistema imunológico, fortalece a barriga e alivia o estresse.
O professor Graham Welch, especialista em Educação Musical da Universidade de Londres e pesquisador, diz que o canto ativa o corpo e a mente.
Cantar é uma atividade física, psicológica, social e musical. Diferentes sistemas modulares no cérebro são usados para lidar com as características musicais do canto, como o tom, o ritmo e as letras, e integrá-las.
"Há um entrelaçamento dos sistemas nervoso, endócrino e imunológico", diz ele.
O sistema nervoso é responsável pelo ato de cantar. Há também um envolvimento emocional com o som humano, desenvolvido na fase fetal, e um diálogo da pessoa com seu corpo, seu sistema respiratório e os espaços que oferecerá para essa voz soar.
"Cantar não é só da boca para fora. Todo instrumento tem espaço interno e externo de ressonância, inclusive o corpo. A voz preenche o corpo, a melodia e a letra que escolhemos", diz a fonoaudióloga Mônica Montenegro, professora da USP.
A neurologista Paula Viana Wackermann, que desenvolveu pesquisa pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto com cantores líricos, diz que a atividade induz a um estado de prazer.
O nível de cortisol (hormônio do estresse) fica reduzido, não importando se a pessoa é afinada ou não.
"A sensação de bem-estar é aumentada pelo efeito sociopsicológico de fazer música como parte de um grupo", completa Welch.
Mesmo quem canta sozinho, acompanhando um CD ou iPod, sente esses benefícios. O sentido de se envolver em uma atividade compartilhada permanece.
"Cansei de chegar triste ao karaokê e sair de lá muito bem", diz Jane Tapxure, 62 anos, dona de um pet shop.
Com o fim do casamento de 30 anos, ela passou dois anos deprimida, chorando no sofá. Até que uma amiga a chamou para cantar.
Jane, que é fã de música italiana e Frank Sinatra, conta que voltou a sair de casa e a se arrumar. No karaokê, ela formou um grupo de amigos de idades variadas, que se encontra toda semana, comemora aniversários e faz festas temáticas, como Halloween e até do pijama.
"É uma farra. Lá você não é julgado por ninguém."

IMUNIDADE
A cantoria ativa os sistemas cardiovascular e respiratório. O aumento da ventilação e da capacidade pulmonar melhora o condicionamento físico e mental.
Os músculos abdominais ficam fortalecidos e os faciais, tonificados. Estudos sugerem que cantores têm sistema de defesa melhor.
"Acredita-se que estados mentais positivos e de relaxamento induzidos pelo canto sejam responsáveis por um aumento na secreção da imunoglobulina A, responsável pela defesa contra infecções bacterianas ou virais das vias aéreas superiores", explica a neurologista Paula Viana Wackermann.
Mesmo quem não quer ou não está em condições de soltar o gogó pode se beneficiar da cantoria alheia.
"Estudos apontam que escutar músicas prazerosas está relacionado à liberação de serotonina, que é o neuropeptídio da alegria, do prazer", afirma a neurologista Paula Wackermann.
O ato de fazer o bem ao próximo por meio do canto é praticado pelos hindus há séculos. As sessões de "kirtan", que são vocalizações de mantras em grupo, com instrumentos, são vistas como um ato de doação.

MEDITAÇÃO
A professora de canto indiano Ratnabali Adhikari, natural de Calcutá, Índia, explica que entoar mantras é um tipo de meditação.
Os mantras têm uma sequência sonora e uma representação significativa.
Quando cantados repetidamente, é como se mandássemos sinais positivos para os neurônios que, por sua vez, levam essa mensagem para o corpo todo.
"O mantra ajuda a focar a mente e deixá-la em equilíbrio com o corpo."
"Ao cantar em grupo, as pessoas fazem bem a si mesmas e, espalhando essa harmonia pelo universo, beneficiam todos os outros seres", diz Ratnabali, que vive há 30 anos no Brasil.
A professora afirma que é preciso inspirar profundamente e, na expiração, entoar o mantra.
A coluna deve estar ereta para a energia vital, chamada de prana, fluir.
Entender o que se está cantando e pronunciar direito as palavras para não trocar seus significados é legal, ajuda a potencializar os benefícios dos mantras, segundo a professora indiana.
Mas não é preciso falar sânscrito nem entender a letra para tirar proveito de uma boa cantoria.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

De como tipificar sonhos... - dtschezzi@gmail.com - Gmail

De como tipificar sonhos... - dtschezzi@gmail.com - Gmail

De como tipificar os sonhos
Ana Elisa Ribeiro
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Eu tinha uns sonhos bem explícitos, conscientes e nítidos. Mas tinha também outros bem vagos, daqueles que mal se desenham, quase não se revelam. Só depois que se afasta a chance de eles virarem algo mais palpável é que eles se configuram, já de costas, dando tchauzinho, descendo a ladeira.

Uns sonhos devem ter vindo comigo desde o zigoto. Esta coisa de nome feio é o "resultado da reprodução sexuada", como diz aí a Wikipédia. Foi quando me conceberam e nem sabiam. Talvez eu nem fosse um sonho ainda. E lá, naquele encontro de "dois núcleos haploides" de células compatíveis, algum sonho já surgia. Sonho, por exemplo, de nascer. Não sei.

A consciência de que a gente sonha aparece relativamente cedo. Com 4 ou 5 anos já se relata aos pais o movimento intenso da madrugada. Heróis, maremotos ou beijos de mãe povoam a noite das crianças. Mas esse sonho não vale. Esse aí é aquele que o Freud descreveu. Aquele que deve ter lá suas razões, mas que acontece mesmo, digamos assim. Sonho noturno é sonho. É aquela movimentação que mostra que o cérebro não apaga. É aquele mosaico de cenas (às vezes improváveis) que a gente pode esquecer que viveu quando acorda. Às vezes dá para contar aos outros; às vezes, não.

O sonho do qual eu trato é outro. É aquele que se parece com um desejo no futuro. Uma espécie de assunto que pode nos pautar por diversos ciclos da vida. Aliás, às vezes os ciclos é que se pautam por eles. Sonho de crescer e se casar (com um príncipe, claro). Sonho de ter uma casa com varanda. Sonho de ter o carro do ano. Sonho de ser bombeiro, médico, delegado. Sonho de viajar o mundo inteiro, inclusive pelos países menos servidos de aviões. Sonho de morar na cidade maior ou na menor. Sonho de ser velho com calma. Sonho de estudar grego clássico. Esse sonho é aquele que se mistura com o futuro que a gente queria ter. Um sonho dentro do outro. Uma espécie de promessa ou de provável frustração. Um tipo de cordão que une dois pontos, não necessariamente duas retas (aliás, geralmente curvas e loops). Esse sonho é aquele que a gente desenha para a professora do ensino fundamental. O sonho de burguês que todo mundo tem, exceto quem acha que é o dono dos sonhos. E a gente sabe que vai galgando a vida até achar esses sonhos realizados, em algum lugar do sótão.

Tem sonho que a gente percebe que está se transformando em realidade. Assim ó: vou estudando, me formando, aprendendo, correndo atrás, cumpro os exames, me aprovo, passo uns apertos, mas, quando me assusto, estou dedicando meu diploma de dentista à minha mãe. Esse é desse tipo de sonho em forma de escalada. Tem gente que sonha desde cedo. Tem gente que mistura com um elemento meio genético. Tem gente que não percebe que não está sonhando o próprio sonho (e acorda tarde demais). Mas tem gente que descobre que não sonhou, mas acaba curtindo.

Já outro tipo de sonho é difícil de escalar. Não tem cursinho, não tem exame, não tem concorrência, não tem aula particular, preparório específico, intensivão, café com guaraná, livro para adotar, manual de instruções. A gente vai se movendo, achando que está na direção certa, mas sabe lá para que lado esse sonho vai. Ele parece que está na frente, mas não está. Parece uma sala de espelhos de um parque barato. É sonho imprevisível.

Desse tipo há muitos. Como saber? Vai-se sonhando até que ele um dia baixa, que nem umdownload. Ou a gente percebe que passou o tempo e ele não aconteceu. Tem desses sonhos que dependem de rituais para a gente perceber. E nem sempre a gente está disposto aos rituais. Tem sonho que é arisco.

Eu sonhei muitas coisas difíceis e muitas pautas para a minha vida. Além de sonhar, eu sempre esperei que as coisas fossem ficar boas, tranquilas, confortáveis. Nem sempre elas ficaram. Nem sempre elas se comoveram comigo.

Viver muito não é um dos meus sonhos. Eu me pareço mais com alguém sem paciência do que com uma velhinha que rega flores. Até meus cactos morreram, que dirá qualquer outra coisa menos forte. E nem sonhei com heranças, descendência ou casamentos pomposos. Mas eu sonhei com uma alegria mais ou menos constante, e ela não aconteceu. Sonhei com cuidados parecidos com os que eu tinha na casa da minha mãe, e não aconteceu. Sonhei com livros, muitos livros, e, aí sim, venho compondo meu mosaico de impertinências. Vou comprando estantes, dividindo as prateleiras e lendo o que eu puder.

Eu tinha o sonho de ter uma grande biblioteca, com escadas rolantes, mas com vista bonita, de onde se pudesse ver a cidade piscando à noite. Não deu. Minha pequena biblioteca é térrea e de dentro dela mal se vê o muro do vizinho. Os sonhos vão se reduzindo, até caberem nos moldes da mediocridade da gente.

Tem sonho que é que nem sorte: se você não pega na hora, nunca mais aparece. Alguém precisa ensinar a gente a enxergar esse tipo de sonho esvoaçante. Ninguém ensina. Ou a gente percebe ou a gente só avalia a posteriori. É, passou. Já era (minha frase mais frequente, embora não seja minha preferida).

E tem um elemento importante: pesadelo travestido de sonho, que engana bem, ilude, se camufla e parece que vai levar a família inteira para um céu azul. Mas não vai. É só uma convulsão de precipícios que vai rolar bem na sua frente. E é difícil sair deles. Rodamoinho de vento sujo. Uma espécie de falta de opção.

Sonhar é um desses momentos da inteligência que a gente precisa promover. E precisa aprender a capturar.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Folha de S.Paulo - Buraco negro "mãe" do Universo teria a massa de 3.000 sóis - 11/04/2011

Folha de S.Paulo - Buraco negro "mãe" do Universo teria a massa de 3.000 sóis - 11/04/2011

Buraco negro "mãe" do Universo teria a massa de 3.000 sóis

Conta feita por físico polonês é tentativa de refinar sua hipótese contrária ao Big Bang como o início de tudo

Perturbações dentro de estrelas colapsadas gerariam um zoológico cósmico, com grande número de universos

SABINE RIGHETTI
DE SÃO PAULO

O útero cósmico no qual o nosso Universo teria sido gestado era um buraco negro da categoria peso-pesado, cuja massa seria equivalente a 3.000 vezes a do nosso Sol.
É isso o que propõe o físico polonês Nikodem Poplawski, da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos.
Em artigo publicado no "ArXiv" (uma espécie de biblioteca eletrônica aberta, na qual os físicos costumam divulgar versões preliminares de suas pesquisas para apreciação da comunidade científica), ele apresentou o cálculo da massa necessária para que um buraco negro produza um Universo com as características do nosso.

NATIVIDADE
O polonês reacendeu a discussão sobre a possibilidade de o Cosmos ter "nascido" dentro um buraco negro ao longo do ano passado.
Ele publicou uma sequência de artigos sobre o tema no "ArXiv" e na revista "Physics Letters B", uma das mais importantes sobre física nuclear e de partículas.
Essas publicações confrontam a teoria do Big Bang, que define que o Universo teria surgido a partir da expansão de uma grande concentração de massa e energia, comparada a uma explosão.
A questão é que, quando se considera que o Big Bang é o início de tudo, é preciso postular que a expansão do Universo teria começado a partir de um ponto incrivelmente pequeno, de densidade e energia infinitas.
Para os físicos, esses infinitos são suspeitos, porque fica impossível investigar o que acontecia no momento inicial da expansão cósmica.
Uma das formas de resolver o problema é propor que o Big Bang não foi o começo de tudo o que existe, mas uma perturbação no interior de um buraco negro em outro universo, conforme defendido pelo cientista polonês.
Segundo Poplawski, todos os universos (já que haveria vários deles) estão dentro de buracos negros. E todos têm estrelas que, se altamente contraídas (quando seu combustível acaba), dariam origem a novos buracos negros -e a novos universos.
Os números da conta saíram de uma modificação da teoria da relatividade geral de Einstein (que Poplawski vem usando nos seus estudos com frequência).
"Outros trabalhos mostram que algo acontecia antes do Big Bang", disse Poplawski à Folha.
Ele, de fato, não está sozinho. "Poplawski não é o único a especular sobre o que poderia ter havido antes do Big Bang", afirma Roberto Belisário, físico formado pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
"Entre os cosmólogos, o Big Bang já não é mais considerado o início da criação de tudo. Deve ter havido um "antes", assim como está havendo um depois", completa.
A repercussão sobre a nova proposta do físico polonês ainda está engatinhando.
"A teoria ainda é muito qualitativa. Só o tempo dirá qual ideia vencerá essa corrida", conclui Belisário.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Nenhuma escola é uma ilha

Nenhuma escola é uma ilha

publicado em 08/04/2011

Por Ana Flávia C. Ramos
Fonte
TAB NA REDE
Tragédias como a ocorrida na Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, sempre provocam grande comoção pública, indignação e, obviamente, tristeza pelas muitas crianças perdidas no atentado. Além desses sentimentos, tais fatos provocam também um grande tsunami de “especialistas”, mobilizados em velocidade estonteante pela mídia, para dar laudos e explicações quase matemáticas sobre as motivações do assassino. O atirador Wellington Menezes de Oliveira, segundo as informações desses “cientistas da tragédia” (que variam de “criminólogos” a policiais militares), era tímido, solitário, filho adotivo, “usuário” constante do computador (a “droga” dos tempos modernos segundo os “analistas”), ateu, islâmico, fanático, fundamentalista, portador do vírus da AIDS e, provavelmente, vítima de bullying na escola.
Certamente não há como contestar que todo ato humano, e por isso histórico, se explica a partir da análise de uma cadeia de relações complexas. Como digo aos alunos, nada tem resposta simples e direta. Entretanto, o tipo de questão levantada para entender o terrível ato de Wellington Menezes de Oliveira diz muito mais sobre nós mesmos do que sobre ele. Todos os nossos preconceitos estão embutidos nessas respostas. De fato, não sabemos, e talvez nunca saibamos, por que exatamente ele atirou contra cada uma das crianças (em sua maioria meninas), assim como não sabemos sobre as reais motivações dos muitos atentados como esse, ocorridos em países como Estados Unidos e Dinamarca. Mesmo depois de tudo o que se discutiu, ainda é difícil, por exemplo, explicar Columbine (abril de 1999).
Uma das coisas que mais tem me chamado a atenção é a recorrência da explicação que elege o bullying escolar como um dos fatores que podem desencadear esse tipo de ato violento. A explicação não é nova, Columbine é prova disso. Há mais de dez anos atrás, dois meninos entram em uma escola, de capa preta (quase como em um filme hollywoodiano) e atiram em seus colegas. “Especialistas”, gringos agora, se apressam em dizer as razões: divórcio nas famílias, videogames, filmes violentos, Marilyn Manson, porte de armas facilitado e, como não poderia faltar, bullying na escola.
É inegável que o bullying é uma realidade. É indiscutível que ele é extremamente nocivo e doloroso aos alunos que sofrem com ele. É evidente que há urgência em iniciar um debate para saber como sanar o problema. Mas a pergunta que fica é: o que de fato é o bullying? Ele é um sinal (histórico) de que? E ainda mais: ele é um problema restrito à escola? Por que os alunos são tão cruéis com seus colegas?
Michael Moore, cineasta norte-americano explosivo, tentou dar a sua interpretação para o atentado de Columbine com o documentário Bowling for Columbine (2002).  Moore, ao invés de repetir os clichês da mídia, foi implacável na destruição do senso comum das justificativas moralistas para o evento. Item por item, desde a desagregação da família, Manson, até a polêmica questão do porte de armas foram desconstruídos em sua narrativa. O foco centrou-se em respostas muito mais interessantes, localizadas não nos dois jovens assassinos, mas na sociedade americana. O imperialismo militarista dos Estados Unidos, a ação violenta em outros países, a política do medo (incentivada pelo Estado e pela grande mídia), que reforça e superestima dados sobre a violência urbana, sobre o fim de mundo, e, principalmente, a intolerância com todo tipo de diferença. Racismo, preconceito, homofobia, conflitos religiosos e luta de classes são só alguns dos ingredientes do caldeirão de ódios em que se transformou a sociedade americana.
Como crescer no Colorado, na “livre” América, e não ser conspurcado por esses valores? Como não idolatrar armas e achar que elas são um meio prático de solucionar problemas? Como viver imune a uma sociedade individualista, capitalista, que divide os seus cidadãos o tempo todo em “winners” e “loosers”? E mais ainda, como não se deixar levar por uma sociedade que até hoje não consegue lidar com a diferença entre brancos e negros? Uma sociedade que até os anos 1960 não oferecia direitos, oportunidades e tratamentos iguais a todos os seus cidadãos, tem o que para oferecer ao pensamento dos estudantes? Os americanos, ainda hoje, estão preparados para o respeito à diferença? A relação que eles mantêm com os muçulmanos diz muito. Definitivamente a liberdade e o respeito ainda não se transformaram em uma unanimidade por lá.
É claro que mesmo Moore não chega a dar respostas definitivas sobre a questão. E mais ainda: é evidente que ele considera a forma pela qual a instituição ESCOLA trata seus alunos (hierarquias e classificações hostis), ignorando muitas vezes o bullying, tem sua responsabilidade no massacre. Assim como é nítido que a venda facilitada de armas e munição são coadjuvantes importantes da história. Mas Moore foi corajoso ao lançar em cada um dos americanos a responsabilidade da tragédia e discutir aquilo que ninguém teve coragem (ou má fé) de fazer. Nem a mídia, nem o governo, nem a sociedade. É preciso encarar os “monstros”, com franqueza, e não apenas “satanizar” o ambiente escolar, para dar algum significado para esses eventos.
Ontem no Terra Magazine o antropólogo Roberto Albergaria afirmou que a mídia e a sociedade brasileira desejavam o impossível: explicações para um “desvario sem significado”. Segundo ele, o que Wellington Menezes praticou foi o que os estudos franceses chamam de “violência pós-moderna”, caracterizada por uma ruptura irracional, sem explicação. De fato, talvez tenha sido um “ato irracional”, fruto de um momento de insanidade. Mas acredito que esse tipo de resposta não nos ajuda a resolver coisas importantes sobre nós mesmos. A tragédia no Realengo, a meu ver, pode e deve ser início de um debate importante sobre a nossa sociedade.
A tragédia na escola do Rio de Janeiro acontece num contexto bastante relevante. Em outubro de 2009, Geyse Arruda foi hostilizada por seus colegas de faculdade porque, segundo eles, ela não sabia se vestir de modo “apropriado” para freqüentar as aulas. Em junho de 2010, Bruno, goleiro do Flamengo, é suspeito de matar a ex-namorada, Elisa Samudio, por não querer pagar pensão ao filho. Suposta garota de programa, Samudio foi hostilizada na opinião de muitos brasileiros. Após rompimento, Mizael Bispo, inconformado, mata sua ex-namorada Mércia Nakashima em maio de 2010. Em novembro de 2010, grupos de jovens agridem homossexuais na Avenida Paulista, enquanto Mayara Petruso incita o assassinato de nordestinos pelo Twitter. E mais recentemente, em cadeia nacional, Jair Bolsonaro faz discurso de ódio contra homossexuais e negros. Tudo isso instigado e complementado pelo discurso intolerante, preconceituoso, conservador e mentiroso do candidato José Serra à presidência da República. A mídia? Estava ao lado de Serra, corroborando em suas artimanhas, reforçando preconceitos contra Dilma, contra as mulheres e contra os tantos mais “adversários” do candidato tucano.
Wellington matou mais meninas na escola carioca. Se, por um lado, jamais saberemos as reais razões que o fizeram agir dessa forma, por outro sabemos o quanto a sociedade brasileira tem sido, no mínimo, indulgente com atos de intolerância, machismo, ódio e preconceito contra mulheres, negros e homossexuais. Se não há uma ligação direta entre esses diversos acontecimentos, eles pelo menos nos fazem pensar o quanto vale a vida de alguém em um contexto de tantos ódios? Quantas mulheres morrerão hoje vítimas do machismo? Quantos gays sofreram violência física? Quantos negros sentirão declaradamente o ódio racial que impregna o nosso país? O que é o bullying se não o prolongamento para a escola desse tipo de mentalidade? Quantas pessoas apoiaram as declarações de ódio de Bolsonaro via Facebook? Aquilo que acontece no ambiente escolar nada mais é do que um microcosmo do que a sociedade elege como valores primordiais. E o Brasil, que por tanto tempo negou a “pecha” de racista e preconceituoso, vê sua máscara cair.
Não adianta culpar o bullying, achando que ele é um problema de jovens, um problema das escolas. Não adiante grades e detectores de metal nas entradas ou a proibição da venda de armas. Como professora, sei que o que os alunos reproduzem em sala nada mais é do que ouviram da boca de seus pais ou na mídia. Não adiante pedir paz e tolerância no colégio enquanto a mídia e a sociedade fazem outra coisa. Na escola, o problema do bullying é tratado como algo independente da realidade política, econômica e social do país. Mas dá pra separar tudo isso? Dá pra colocar a questão só em “valores” dos adolescentes, da influência do malvado do computador ou dos videogames? Ou é suficiente chamar o ato de Wellington de uma “violência pós-moderna” sem explicação? Das muitas agressões cotidianas, a da escola do Realengo é apenas uma demonstração da potencialidade de nossos ódios. A única coisa que me pergunto é: teremos a coragem de fazer esse tipo de discussão?
Ana Flávia C. Ramos, historiadora, pesquisadora colaboradora do departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp.