terça-feira, 13 de setembro de 2011

Folha de S.Paulo - Da crise de meia-idade
Ao mundo cor-de-rosa - 13/09/2011

Folha de S.Paulo - Da crise de meia-idade<br>Ao mundo cor-de-rosa - 13/09/2011:

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DA CRISE DE MEIA-IDADE
AO MUNDO COR-DE-ROSA


Por que, após o típico baixo-astral entre os 40 e os 50, a maioria fica de bem com a vida?

RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO

Não se trata de mera frescura: a ciência diz que existe, sim, a crise da meia-idade e que ela afeta homens e mulheres em todo o planeta.
Resultados de pesquisas em vários países, na última década, têm mostrado que essa fase bate em média entre 40 e 50 anos, mas varia muito de acordo com a região.
Mas um dado novo, curioso e surpreendente indica que a crise é só o fundo do poço. Depois de atingir o ponto mais baixo de "bem-estar" (alguns pesquisadores chamam mesmo de "felicidade"), a pessoa dá a volta por cima e vai ficando mais feliz por quase todo o resto da vida.
É estranho, pois o senso comum indicaria que a felicidade tende a diminuir a cada velinha no bolo de aniversário.
Os gráficos ligando satisfação pessoal e idade mostram uma curva em "U". A felicidade começa alta, vai caindo até chegar à base da letra e volta a subir com a idade.
Os números variam muito, porém. Em uma pesquisa, a meia-idade chega aos 50 para americanos; em outra, aos 44,5. Os brasileiros atingem a crise aos 46,7, para um estudo, e, para outro, aos 36,5. Na Ucrânia, o mal-estar máximo chega aos 62,1 anos.
"Essa diversidade vem das amostras pequenas nesses países. O número varia menos em grandes amostras", diz um dos autores do estudo da curva do "U" do bem-estar, o economista Andrew J. Oswald, da Universidade de Warwick, Reino Unido.
O estudo analisou 500 mil pessoas, entre americanos e europeus, que responderam sobre seu estado emocional.
Depois de se checar detalhes que poderiam afetar os resultados (renda, vida afetiva etc.), conclui-se que americanos atingem a crise aos 52,6 e europeus, aos 46,5.
"A Segunda Guerra parece ter cobrado um preço maior dessa geração de europeus", na interpretação de Oswald.
E o que explicaria o fenômeno em geral?

ACEITAÇÃO
"Minha teoria é que na meia-idade enfrentamos nossas deficiências e as aceitamos. Então ficamos mais contentes com a vida", diz Oswald. "Eu poderia ter sido jogador de futebol e feito gols contra o Brasil, mas percebi que teria de me contentar em ser professor", brinca.
Outro estudo criou um "instantâneo da distribuição pela idade do bem-estar psicológico nos EUA" com base em 340.847 pessoas. E cravou a crise em torno de 50.
Nesse estudo, a pessoa avaliava, numa escada com degraus de zero a dez, como se sentia em relação à vida. "Em qual degrau você se sente agora?" era a pergunta.
O líder da pesquisa, Arthur A. Stone, da Universidade de Stony Brook, disse à Folha que considera a curva em "U" um enigma. "Nós e muitos outros estamos investigando fatores responsáveis, mas ainda não sabemos."
Entre os fatores que eles esperavam que teriam impacto no resultado e não tiveram estão o gênero, o fato de ter filhos com menos de 18 anos em casa, o desemprego e a falta de um parceiro.
Já o pesquisador Andrew Clark, da Paris School of Economics, usou dados de uma pesquisa britânica para seus estudos sobre a curva do "U". Um questionário com 12 itens registrou as sensações de estresse, depressão e falta de confiança dos entrevistados.
As pessoas responderam se perdiam o sono por preocupação, se se sentiam sob pressão, se perderam a autoconfiança e se pensavam em si como alguém sem valor.
Clark disse à Folha que a curva em "U" reflete o que acontece com gente de mais idade: promoções, filhos etc.
"A diferença entre os países reflete as diferenças nesses fatores. Se você tem filhos aos 20, está lidando com adolescentes aos 35, se tem filhos aos 35, vai lidar com adolescentes aos 50. O divórcio também pode ocorrer em diferentes idades, em cada país. Isso soa como explicação", diz.
E lidar com adolescentes estressa qualquer cristão.
Clark também concorda com Oswald sobre a influência da perda de altas expectativas no aumento do bem-estar após a meia-idade. E dá o mesmo exemplo do jogador de futebol, embora o seu seja mais nacionalista: "Um dia desses eu desisti de jogar pela Inglaterra".
A psicóloga Laura Carstensen, da Universidade Stanford, EUA, é autora de uma teoria pioneira que explica a alta da felicidade na velhice.

SELETIVIDADE
Segundo a sua "teoria da seletividade socioemocional", à medida que os horizontes de tempo vão ficando mais curtos, as pessoas priorizam determinados objetivos emocionais. Passam a evitar amigos chatos, por exemplo.
"A experiência emocional fica melhor com a idade porque as pessoas passam a investir esforço em assuntos importantes para elas", escreveu Carstensen em artigo na "Psychology and Aging".
O artigo descreve um experimento diferente dos outros.
Enquanto os dados coletados por Oswald e Stone produziram um "instantâneo", uma amostra pontual na população, a equipe da psicóloga seguiu um mesmo grupo de pessoas por uma semana e repetiu o questionamento cinco e dez anos depois.
A equipe concluiu: "O envelhecimento está associado com bem-estar geral, maior estabilidade emocional e mais complexidade, evidenciado pela maior ocorrência simultânea de emoções positivas e negativas".
Dá para entender a capa da revista francesa "Le Point", com uma bela mulher sorridente, a estilista Inès de La Fressange, 53, e o título: "A vida começa aos 50".
Ou porque, quando pediram ao dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980) um conselho aos jovens, ele foi incisivo: "Envelheçam".

Folha de S.Paulo - Outras ideias - Anna Veronica Mautner: Arqueologia do cotidiano - 13/09/2011

Folha de S.Paulo - Outras ideias - Anna Veronica Mautner: Arqueologia do cotidiano - 13/09/2011:

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ANNA VERONICA MAUTNER amautner@uol.com.br

Arqueologia do cotidiano


O plástico nos tirou o prazer de espremer a pasta de dentes até o fim. E o desperdício, agora, é muito maior

ARQUEÓLOGO é quem traz à tona o que está enterrado, assim como o psicanalista pretende fazer com a mente. Como tal, quero mostrar como a modernidade vem roubando o espaço que mantém em bom nível nossa autoestima.
No cotidiano, a repetição infindável de certos atos e fatos afasta a nossa atenção e nos torna insensíveis a eles.
Nem vou enumerar todas as coisas que fazemos sem que registremos nem um pensamento sequer a respeito delas. Criamos rituais e tiques para desviar a atenção, para não acompanhar nossos atos. Como se diz: passamos boa parte da vida no automático.
Assim é, a não ser quando a veneziana emperra, o chinelo está fora do lugar, não sai água da torneira ou não achamos a chave. Diante desses imprevistos, focalizamos o fato, pensamos, indagamos.
Ficamos presentes. Se fizéssemos um esforço de presença a cada gesto que deixamos no automático, a vida mental seria muito lenta.
Como psicóloga, gosto de questionar justamente aquilo que passa despercebido. Às vezes, a desatenção é por não querermos perceber (porque não seria agradável ou porque ficaria sem resposta).
Os jeitos de fazer muitas vezes são individuais e outras, herança de família.
Lembro-me agora do tempo em que a pasta de dentes estava numa bisnaga de material metálico. Nós íamos enrolando conforme usávamos o produto, até esvaziar.
Sem qualquer aviso, a bisnaga passou a ser feita de plástico. Não enrola mais. O desperdício é maior e temos de nos acostumar a esta nova era, a da abundância.
Havia orgulho familiar em ostentar, na pia, bisnagas meticulosamente enroladas. O plástico nos tirou o prazer de espremer a pasta de dentes com maior ou menor maestria. Que pena!
E as panelas areadas, que eram colocadas nos muros para secar e, ao mesmo tempo, exibir quão prendadas eram as donas de casa?
No começo, era com areia mesmo que se dava o brilho.Depois veio o sapólio e, agora, pobres de nós, perdemos o prazer de mostrar como sabemos dar brilho. O aço inoxidável já é brilhante.
A modernidade está tirando uma chance após outra de um autoaperfeiçoamento com o qual mantínhamos a nossa autoestima.
Algumas publicidades ainda recorrem a esse passado enterrado, mas não tão longínquo: o branco mais branco, as mil e uma utilidades.
Desenterrando memórias, percebo quantas chances o cotidiano nos dava de termos orgulho de nós mesmos.
Cada dia mais, o que nos resta é comprar e ter condições de fazê-lo. Consumir.
É pouco. É pobre.
Precisamos de melhores lugares para nos espelharmos.


ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora) e "Educação ou o quê?" (Summus).