terça-feira, 15 de novembro de 2011

Folha de S.Paulo - Opinião - Pensar a USP - 2011-11-15

Folha de S.Paulo - Opinião - Pensar a USP - 2011-11-15:

'via Blog this'

Vladimir Safatle

Pensar a USP

As reações ao que ocorreu na USP demonstram como, muitas vezes, é difícil ter uma discussão honesta e sem ressentimentos a respeito do destino de nossa maior universidade. Se quisermos pensar o que está acontecendo, teremos que abandonar certas explicações simplesmente falsas.
Primeiro, que o epicentro da revolta dos estudantes seja a FFLCH, isto não se explica pelo fato de a referida faculdade estar pretensamente "em decadência". Os que escreveram isso são os mesmos que gostam de avaliar universidades por rankings internacionais.
Mas, vejam que engraçado, segundo a QS World University Ranking, os Departamentos de Filosofia e de Sociologia da USP estão entre os cem melhores do mundo, isso enquanto a própria universidade ocupa o 169º lugar. Ou seja, se a USP fosse como dois dos principais departamentos da FFLCH, ela seria muito mais bem avaliada.
Segundo, não foram alunos "ricos, mimados e sem limites" que provocaram os atos. Entre as faculdades da USP, a FFLCH tem o maior percentual de alunos vindos de escola pública e de classes desfavorecidas. Isso explica muita coisa.
Para alunos que vieram de Higienópolis, a PM pode até significar segurança, mas aqueles que vieram da base da pirâmide social têm uma visão menos edulcorada.
Eles conhecem bem a violência policial de uma instituição corroída por milícias e moralmente deteriorada por ser a única polícia na América Latina que tortura mais do que na época da ditadura militar.
Não há nada estranho no fato de eles rirem daqueles que gritam que a PM é o esteio do Estado de Direito. Não é isso o que eles percebem nos bairros periféricos de onde vieram.
Terceiro, a revolta dos estudantes nada tem a ver com o desejo de fumar maconha livremente no campus. A descriminalização da maconha nunca foi uma pauta do movimento estudantil.
Infelizmente, o incidente envolvendo três estudantes com um cigarro de maconha foi a faísca que expôs um profundo sentimento de não serem ouvidos pela reitoria em questões fundamentais. Era o que estava realmente em jogo. Até porque, sejamos claros, mesmo se a maconha fosse descriminalizada, ela não deveria ser tolerada em ambientes universitários, assim como não se tolera a venda de bebidas alcoólicas em vários campi.
Quando ocorreu a morte de um aluno da FEA, vários grupos de estudantes insistiram que a vinda da PM seria uma máscara para encobrir problemas sérios na segurança do campus, como a iluminação deficiente, a parca quantidade de ônibus noturnos, a concentração das moradias estudantis em só uma área e a falta de investimentos na guarda universitária. Isso talvez explique porque 57% dos alunos dizem que a presença da PM não modificou em nada a sensação de segurança.

VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Folha de S.Paulo - Opinião - A polícia e a USP - 2011-11-14

Folha de S.Paulo - Opinião - A polícia e a USP - 2011-11-14:

'via Blog this'

A polícia e a USP

PM tem problemas mais graves a resolver que revistar jovens, universitários ou não, à procura de pequenas quantidades de maconha

Efetuada a remoção do grupo de estudantes que invadira a reitoria da USP, não se dissipou o debate sobre a presença de policiais militares na Cidade Universitária.
Foi ilegítima e antidemocrática a atitude daquela minoria de ativistas, derrotados nas próprias instâncias deliberativas dos estudantes, ao ocupar as dependências administrativas da universidade.
Como mostrou pesquisa Datafolha publicada ontem, a maioria dos alunos (58%) é favorável ao convênio firmado pela reitoria com a Polícia Militar, enquanto 36% declaram-se contrários.
Vale notar, entretanto, que em alguns setores da comunidade universitária as inquietações suscitadas pela atuação cotidiana da PM extravasam o limitado e incandescente horizonte ideológico dos invasores da reitoria.
Não há dúvida, como já foi assinalado neste espaço, que a USP não é território que se excetue, por qualquer razão histórica ou simbólica, ao âmbito da ação legítima do poder de Estado. Muito menos seus estudantes, professores e funcionários constituem alguma casta ou elite que mereça privilégios por parte dos agentes da lei.
Foi particularmente infeliz, sob este aspecto, a frase do ministro da Educação, Fernando Haddad, segundo o qual "a USP não é a cracolândia". É difícil afastar a impressão de que, com isto, sugeria-se existir uma carta branca para a PM reprimir como bem entendesse os miseráveis dependentes do crack no centro de São Paulo, cabendo, ao contrário, mesuras especiais à "gente diferenciada" que frequenta o campus do Butantã.
A lei vale para todo cidadão brasileiro, universitário ou não. Deve valer, contudo, para a própria polícia. São notórios e frequentes, no Brasil, os casos de truculência policial; de assassinatos disfarçados sob o pretexto de "resistência à prisão"; de falsos flagrantes organizados por maus policiais em busca de propina.
A legislação brasileira a respeito das drogas, que deveria avançar no sentido de uma gradual liberalização, já exclui o porte e o consumo pessoal da pena de prisão. Persistem, entretanto, a intimidação e a repressão aos usuários.
Na USP e fora dela, a PM tem problemas mais importantes a resolver do que revistar mochilas de adolescentes à procura de pequenas quantidades de maconha.
Exceto em casos específicos de investigação fundamentada, a polícia não terá reconhecimento da comunidade se encarar como suspeito qualquer agrupamento de rapazes ou moças em seus momentos de lazer, cercando-os do olhar hostil da vigilância armada.
Policiais e cidadãos devem conviver sem desconfiança mútua -essa obviedade está longe de confirmar-se no Brasil. A questão, que não exclui o rigoroso respeito à lei, envolve também um aspecto político, e até de relações públicas, que precisa ser levado em conta em todos os ambientes. Sendo o da USP especialmente sensível ao problema, a inquietação em curso poderia ser uma oportunidade para debater, e colocar em prática, maneiras de superá-lo.

domingo, 6 de novembro de 2011

Folha de S.Paulo - TENDÊNCIAS/DEBATES
Bill Gates: O G20 e o Brasil - 06/11/2011

Folha de S.Paulo - TENDÊNCIAS/DEBATES<br>Bill Gates: O G20 e o Brasil - 06/11/2011:

TENDÊNCIAS/DEBATES

O G20 e o Brasil

BILL GATES


Bem-sucedido em seu processo de desenvolvimento, o Brasil tem compreensão sofisticada daquilo que os países pobres precisam fazer para melhorar

A estabilização da economia global e a geração de empregos estiveram, com razão, no topo da agenda da reunião do G20 na França.
Um risco real, contudo, é o de que algumas das políticas cogitadas por membros-chave do G20 corram o risco de reduzir a assistência e outros investimentos em crescimento e desenvolvimento em muitos dos países mais pobres do mundo.
Seria um erro enorme, porque é precisamente este o momento em que esses países estão preparados para acelerar os avanços da década passada e se tornarem parceiros estáveis e rapidamente crescentes na economia global.
Em vez de recuar, este é o momento de nos engajarmos mais profundamente, em mais áreas e por meio de parcerias novas e instigantes.
O presidente Sarkozy me convidou a apresentar um relatório para os líderes do G20 sobre como ampliar o financiamento para o desenvolvimento, e nesse relatório apresentei ideias muito concretas sobre como fazer isso e deitar as bases para que o mundo consiga atender as necessidades e aspirações de todos os seus 7 bilhões de cidadãos.
Uma das razões pelas quais sou otimista em relação ao futuro é o fato de que países em rápido crescimento, como o Brasil, possuem o potencial de transformar o desenvolvimento. Esse potencial enorme é a razão pela qual a Fundação Bill & Melinda Gates assinou nesta semana um acordo com o governo brasileiro para trabalharmos juntos sobre projetos de agricultura e saúde para beneficiar países pobres.
Tendo avançado com tanto êxito no processo de desenvolvimento, o Brasil tem compreensão sofisticada do que os países pobres precisam fazer para melhorar suas condições de vida. Com enormes capacidades técnicas, pode inventar ferramentas inovadoras para solucionar alguns dos problemas mais renitentes enfrentados pelos pobres.
Um exemplo disso é uma iniciativa recente para melhorar a produtividade agrícola em Moçambique, país onde uma em cada cinco crianças é malnutrida.
Graças à combinação de investimentos generosos do Japão e suporte de capacitação técnica do Brasil, Moçambique está a caminho de conquistar a segurança alimentar e, com o tempo, exportar produtos agrícolas para a região e o mundo.
Os países pobres estão usando seus próprios recursos para liderar seu próprio desenvolvimento. Líderes africanos podem levantar mais dinheiro para o desenvolvimento, com mais eficiência.
Os países do G20 podem ajudar nisso, exigindo que empresas de mineração e petróleo listadas em suas bolsas de valores divulguem o que pagam para os governos de países em desenvolvimento. Dessa maneira, os termos dos contratos envolvendo recursos naturais farão parte de registro público, e cidadãos em todos os países poderão proteger seus interesses.
Os países doadores tradicionais também têm a responsabilidade de continuar com sua generosidade assistencial. Muitos países definiram metas para assistência até 2015, e ainda têm tempo para tomar medidas para alcançar essas metas.
Para concluir, o setor privado pode aumentar seu envolvimento no desenvolvimento. O setor privado é o motor do crescimento econômico e a maior fonte de inovação no mundo, mas nem sempre investe nas necessidades dos mais pobres, porque nem sempre há incentivos para isso. Acredito que há maneiras de encorajar o investimento particular em coisas como tecnologias agrícolas e projetos infraestruturais.
Existem bilhões de dólares em mãos de instituições filantrópicas, investidores de impacto, comunidades de diáspora e fundos soberanos que poderiam ser mobilizados para ajudar os pobres.
Esse trabalho não envolve alguns poucos países ricos dando assistência à moda antiga a um mundo monolítico em desenvolvimento. Ele diz respeito a como novos parceiros podem levar energia nova e transformadora ao desenvolvimento, conservando o mundo no caminho em direção à equidade e ao crescimento econômico de longo prazo.

BILL GATES é copresidente da Fundação Bill & Melinda Gates.