Economia, Política e Cultura

OPINIÃO

Reality reproduz mundo do trabalho e conjuga identificação e repulsa do público

RAFAEL CARIELLO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Não deixa de ser revelador que tenha se tornado um hábito entre brasileiros de todas as classes sociais, nos últimos dez anos, fazer críticas públicas, em qualquer roda de conversa, ao "Big Brother Brasil" (Globo).
É claro que boa parte desse discurso encobre uma relação mais ambígua, por parte dos telespectadores, com os participantes do programa e com a dinâmica da "casa mais vigiada do país".
Identificação e repulsa se conjugam diante da TV.
São poucos os produtos televisivos que conseguem gerar uma reação desse tipo, sempre poderosa, durante tanto tempo.
O sucesso do "Big Brother Brasil", que já se desgasta, derivou em grande medida de sua fórmula --ela própria "ambígua" por criar um curto-circuito entre o que é público e o que é privado.
Mas não é só a capacidade de canalizar com eficiência o desejo de "evasão de privacidade" dos participantes, compartilhado por aqueles que assistem, que explica a atração exercida pelo programa. Há um outro tipo de identificação em funcionamento ali.
Embora o cenário do "BBB" seja uma casa, a dinâmica do jogo reproduz a lógica daquele que é o avesso do espaço doméstico --o mundo do trabalho, do mercado.
Todas as noites, depois de enfrentar as agruras da "firma", de alcançar promoções ou de ver o cargo desejado ser ocupado por um rival e colega, o funcionário esforçado se converte em telespectador e delega aos participantes do reality show a tarefa cansativa que terá que retomar no dia seguinte.
São eles, por cerca de uma hora, que têm que prevalecer sobre os concorrentes e saber discernir onde termina a amizade e começa a disputa.
O "Big Brother Brasil" se torna tão mais atraente quanto mais consegue embaralhar as cartas dos desejos e afetos "domésticos" com a lógica pragmática da disputa pelo prêmio milionário.

CAUTELA NO AFETO
Como toda fórmula, essa também se desgasta. Não só porque deixa, pouco a pouco, de surpreender o público, como porque os próprios participantes do programa aprendem a jogá-la.
Não espanta que os mais recentes "brothers" sejam tão cautelosos em seus afetos. Edição após edição, tem diminuído o conflito e a ambiguidade entre o que é público --a lógica da "firma"-- e o que é privado na dinâmica do reality.


Novo plano chinês propõe mais pesquisa e menos crescimento

Principal discurso deste ano fala em aumento da renda chinesa

FABIANO MAISONNAVE
DE PEQUIM

Leve desaceleração do crescimento econômico, aumento da renda da população, ambiciosas metas ambientais e mais investimento em pesquisa estão entre as diretrizes do Plano Quinquenal (2011-2015), apresentado ontem pelo premiê chinês, Wen Jiabao, na abertura da reunião anual do Congresso Nacional do Povo.
"Estamos profundamente conscientes de que ainda temos um grave problema porque nosso desenvolvimento não é equilibrado, coordenado ou sustentável", disse Wen, que enumerou obstáculos como esgotamento de recursos naturais e ambientais, desigualdade social e pouca inovação tecnológica.
Para analistas, o aumento da renda dos chineses é essencial para reequilibrar a situação econômica do país, excessivamente dependente de exportações.
Wen disse que a meta até 2015 é que a renda familiar dos chineses cresça em média 7% ao ano em termos reais, num esforço para reverter as últimas décadas, em que os baixos salários dos trabalhadores subiram em ritmo bem menor do que as taxas de crescimento.
O governo quer um crescimento médio anual de 7% até cinco anos, bem menor do que o crescimento médio de 11,2% entre 2006 e 2010.
O novo plano tem ainda metas como reduzir em 16% o consumo de energia por unidade do PIB, diminuir em 30% o consumo de água por unidade produzida nas fábricas e aumentar em 21,66% a atual cobertura florestal.
O discurso de Wen a cerca de 3.000 delegados do Partido Comunista, equivalente chinês ao Estado da União americano, é considerado o pronunciamento político mais importante do ano.
Já o Plano Quinquenal, que tem de ser aprovado pelo Congresso do Povo, é uma herança da influência soviética e serve de diretriz para as ações e disposições orçamentárias do governo.


ANÁLISE

Acabar com a miséria é exequível, com um empurrão das mulheres
LENA LAVINAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A presidente eleita Dilma Rousseff acena com a erradicação da miséria. É auspicioso que o Brasil da segunda década do século 21 vislumbre eliminar por completo níveis de destituição extrema, que colocam em xeque a humanidade de alguns milhões de brasileiros.
A retomada do crescimento de forma sustentada, a geração de quase 14 milhões de empregos formais e os ganhos reais do salário mínimo ainda não foram suficientes para, juntamente com os programas de transferência de renda, fazer da miséria traço do nosso passado. São indigentes 12,4 milhões.
Esses mesmos fatores, ao associar numa mesma dinâmica virtuosa política macroeconômica e política social, hão de nos permitir avançar em direção a essa meta, porque agora lastreados por investimentos em infraestrutura social.
Na sua plataforma de governo, Dilma destacou a criação de 6.000 creches, previstas no orçamento do PAC 2011. É pouco, considerando o deficit da oferta: 82% das crianças até três anos estão fora da creche, percentual que sobe para 93% entre as pobres. Na faixa de quatro a cinco anos, o deficit de cobertura é menor, mas ainda significativo, 25% e 33%, respectivamente.
Ora, se homens e mulheres se beneficiaram com a retomada do crescimento econômico, as oportunidades para as mulheres pobres foram mais tímidas.
Sua taxa de atividade é de 51%, ante uma média nacional de 67%. Já a taxa de atividade masculina é de 88% na média, recuando ligeiramente para 82,1% no caso de homens adultos pobres.
Significa dizer: de cada 10 homens na faixa etária adulta e produtiva, sejam eles pobres ou não, cerca de 8 são ativos. No caso das mulheres, observa-se um diferencial importante: na média, 2 em cada 3 brasileiras se declaram ativas, ante 1 em cada 2 mulheres pobres.
Enquanto as mulheres ocupadas que pertencem aos 20% mais pobres da cauda da distribuição trabalham em média 28 horas por semana, entre os 20% mais ricos a jornada remunerada feminina semanal é de 40 horas.
Os homens de todas as faixas de renda trabalham em média 40 horas ou mais, e dificilmente poderiam ir além. O que mais pode contribuir para fazer recuar a pobreza extrema é permitir às mulheres trabalhar. Mais e melhor. Ter uma ocupação que lhes permita usufruir de jornadas de tempo integral, com maiores salários, quem sabe até com carteira assinada, é o que vai elevar consideravelmente a renda familiar e afastar da miséria alguns milhões de famílias.
Para elevar a taxa de atividade das mulheres pobres, elas precisam dispor de creches para suas crianças. Quem tem dinheiro pode pagar por esse serviço. Quem não tem, é pego na trama do imobilismo da miséria.
Inúmeros estudos e pesquisas já demonstraram que as mulheres cujos filhos em tenra idade frequentam creche registram níveis de renda familiar bem mais altos.
Investimentos sociais em infraestrutura que liberem a força de trabalho feminina são a melhor maneira de combinar políticas de equidade de gênero com redução da miséria.
As mulheres não querem ser depositárias do ideário liberal de que são as mais capazes de gerir "eficazmente" a escassez. Não são milagreiras para fazer render um benefício médio de R$ 90,00 mensais.
Uma mulher na Presidência com o potencial produtivo de tantas outras mulheres pode tornar exequível, senão erradicar por completo a miséria, ao menos torná-la residual. Para a alegria da nação brasileira.


LENA LAVINAS é professora associada do Instituto de Economia da UFRJ