terça-feira, 16 de agosto de 2011

Folha de S.Paulo - Bonsai-terapia - 16/08/2011

Folha de S.Paulo - Bonsai-terapia - 16/08/2011

Bonsai-terapia

A arte de miniaturizar plantas ajuda a coordenação motora, a concentração e a capacidade de planejar

Letícia Moreira/Folhapress
Kenji Sugui dá aulas de bonsai a Tsuneo Takada, 82, que se
recupera de um derrame


JULIANA VINES
DE SÃO PAULO

Na aula de bonsai, Tsuneo Takada, 82, aperta com força a tesoura de cortar galhos e levanta para ver como a árvore está crescendo. Nada surpreendente se ele não tivesse perdido parte dos movimentos em um derrame, do qual se recupera há quatro anos.
"Os médicos disseram que ele tinha dois anos para se recuperar. Depois, era difícil ter melhora", lembra Cleide Takada, 54, filha de Tsuneo.
Foram dois anos de terapia, sem muito resultado. Até que a família convidou Kenji Sugui, paisagista que cuidava do jardim japonês da casa, para ensinar bonsai a Tsuneo duas vezes por semana.
Sugui nunca tinha feito isso. O bonsai era um hobby, adotado depois de ele ter trocado a publicidade pelo paisagismo, há 12 anos.
"O bonsai foi uma saída para mim. Eu tive problemas de saúde por ansiedade. Funcionou como terapia."
No começo, as aulas foram orientadas por Cecilia Biesemeyer, terapeuta ocupacional. Mesas e apoios foram adaptados. Os resultados começaram a aparecer logo.
"É uma atividade que deixa ele feliz, nem percebe que está se exercitando, não pensa que é uma tarefa como os outros exercícios", diz Cleide. Segundo ela, seu pai não para de melhorar.
Não foi um milagre. "O bonsai é uma atividade que estimula a capacidade de planejamento, a coordenação motora e a concentração. Além do mais, é algo de que esse paciente gosta", diz a terapeuta. Sempre que pode, ela utiliza a jardinagem na reabilitação de pessoas com dificuldades motoras.
Para Fábio Noronha, autor do livro "Cultivando Bonsai no Brasil" (Escrituras, 172 págs., R$ 36,90), essas miniaturas vivas exigem mais dedicação do que plantas comuns, fazendo com que a pessoa estabeleça um vínculo afetivo com elas. "É uma relação intensa e benéfica. Quem sofre de ansiedade melhora com a prática."
Noronha diz que qualquer um pode ter um bonsai, se estiver disposto a cuidar dele. "Não é frágil ou difícil. Mas as pessoas são acostumadas a ter plantas como se fossem objetos. Um bonsai não sobrevive se for esquecido."

CUIDE DO SEU

Não é verdade que 'bonsai morre fácil'

- Escolha bonsais de espécies resistentes, como jabuticabeira, pitangueira e amoreira

- Desconfie de promoções. Um bonsai simples, verdadeiro, custa de R$ 80 a R$ 200

- Regue todo santo dia. Como há pouca terra na base, um dia sem água pode ser fatal

- Deixe sua miniatura ao ar livre: a maioria precisa de muitas horas de luz por dia

Folha.com - Equilíbrio e Saúde - Veja como a arte aborda o tema da melancolia - 16/08/2011

E UMA TRISTEZA

"Melancolia", novo filme em cartaz, chama a atenção para um conceito que hoje se confunde com o da depressão, mas vai bem além da doença

IARA BIDERMAN
GUILHERME GENESTRETI

DE SÃO PAULO

O cineasta dinamarquês Lars von Trier trouxe à cena a melancolia, que estava escondida num canto escuro da casa, encoberta pelo termo médico "depressão".
Seu novo filme é um retrato desse estado de ânimo em todos os aspectos: dos psiquiátricos (sintomas da depressão) aos filosóficos (a tristeza como consciência da solidão humana no universo).
O tema está na ordem do dia, afirma o psicólogo Marco Antônio Rotta Teixeira, que faz sua tese sobre melancolia e depressão na tradição do pensamento ocidental. "Mas a melancolia vem sendo falada com a roupa da depressão."
O atual conceito médico da depressão usa dados mensuráveis para definir esse estado, como tempo de duração de sintomas.
Para a psicanálise, a melancolia é o estágio mais extremo da depressão. A apatia do melancólico é fruto da perda de algo ou de alguém, que precisa ser compreendida e superada, em um processo semelhante ao do luto. A diferença é que, enquanto no luto a perda é compreendida, na melancolia ela é inconsciente: não se sabe o que foi perdido.
"Nada atrai o melancólico, a não ser o próprio sofrimento. Ele está absorvido nele mesmo", diz Sandra Edler, autora de "Luto e Melancolia: À Sombra do Espetáculo" (Civilização Brasileira, R$ 19). A cultura atual conspira contra o melancólico, diz a psicanalista. "Se a pessoa perde algo, precisa se recolher, mas a vida a chama para um eterno desempenho, se não quiser perder espaço."
É o que pensa, também, a psicóloga Ana Cleide Moreira, autora de "Clínica da Melancolia" (Escuta, R$ 37). "Se não temos tempo nem de pensar, não percebemos a perda de algo importante."
Nesse caso, é mais fácil aliviar o sofrimento com remédios. "A sociedade não assimila os estados de tristeza. Precisamos eliminá-los rapidamente para continuar trabalhando", diz Teixeira.
Essa crítica não significa, ressalta ele, fazer apologia da tristeza ou rejeitar as chances dadas pela ciência para lidar com ela.
"As pessoas falam que há um aumento dos casos de depressão, mas o que as pesquisas mostram é um aumento na prescrição de antidepressivos", diz o psiquiatra Ricardo Moreno, do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Mas psiquiatras, psicanalistas e psicólogos concordam que drogas têm um papel importante.
"Muitas vezes é necessário tratar a melancolia com remédios. Sem eles, alguns não conseguem nem chegar ao consultório", diz a psicanalista Sandra Edler.

TEMPERAMENTO DE GÊNIOS
No filme de Trier, as referências aos sintomas de depressão são explícitas. Como na cena em que Justine (personagem baseada na experiência pessoal do cineasta) não consegue nem entrar no banho.
Os clichês usados para abarcar a tristeza profunda também estão lá: noite, lua, sombras, noiva.
É a retomada da concepção de melancolia como algo que tem uma manifestação doentia (a depressão), mas não é só isso, não pode ser explicado só pela ciência e transcende o indivíduo.
Mesmo sem dizer seu nome, as pessoas reconhecem o sentimento de melancolia. Está na hora em que você percebe não fazer parte da festa, no banzo da noite de domingo, na lembrança da morte.
"A melancolia ganhou diferentes definições na história e até hoje é assim, dependendo de quem fala dela" diz Teixeira.
Hipócrates (460-377 a.C.) a definiu como doença causada por acúmulo da bile negra, que resultaria no temperamento melancólico. O vocábulo vem do grego "melas" (negro) e "kholé" (bile).
O filósofo Aristóteles (384-322 a.C.) levou o conceito para outro plano: a melancolia era uma característica da genialidade, associada ao conhecimento e à intelectualidade.
O professor e crítico de arte Rodrigo Naves lembra que a associação entre genialidade e melancolia é de uma época em que o conceito de individualidade não existia.
"A melancolia era uma deusa, que regia as artes liberais. Nessa noção, a pessoa é preenchida por algo que vem de fora, é regida por entidades, planetas", diz Naves.
Na mitologia e na astrologia, é Saturno, deus do tempo, que devora seus filhos, que traz a morte. No filme de Trier, é o planeta que vem acabar com o mundo.
"A grande ideia da melancolia é justamente a de embaralhar as fronteiras entre dois temperamentos que parecem opostos: o da pessoa deprimida e o da pessoa criativa", diz Frédéric René Guy Petitdemange, professor de História da Arte da Universidade Anhembi Morumbi.
Na semana passada, Petitdemange deu uma aula sobre a iconografia da melancolia na arte do Ocidente, baseada em uma exposição sobre esse tema realizada em Paris e Berlim, em 2006.
Para ele, a essência da melancolia -tristeza profunda ligada ao sentimento de vazio, à perda e à impossibilidade de encontrar sentido nos rituais sociais- não mudou. "A maneira de se discutir o tema pode mudar, mas são questões universais."

FOLHA.com
Leia mais sobre obras de arte que tratam do tema da melancolia
folha.com/no959019


Folha.com - Equilíbrio e Saúde - Veja como a arte aborda o tema da melancolia - 16/08/2011

GUILHERME GENESTRETI
IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO

Como visão de mundo ou expressão do temperamento do artista, a melancolia é um tema recorrente na história da arte.

Conheça diferenças entre depressão e melancolia

Nas artes plásticas, a obra referencial é "Melencolia I", gravura de 1514 do pintor, gravurista e arquiteto alemão Albrecht Dürer (1471-1528).

Divulgação
Melencolia I', Albrecht Dürer
'Melencolia I', Albrecht Dürer

Segundo o crítico e professor de arte Rodrigo Naves, a gravura representa uma concepção de mundo em que estados de espírito e vocações eram regidos por forças exteriores ao indivíduo (deuses, planetas).

Nessa visão, a melancolia é também a deusa das artes liberais, associada ao pensamento reflexivo e à atividade intelectual.

A postura do anjo de Dürer, com a mão apoiada na cabeça, vai se consagrar como símbolo de melancólico.

Divulgação
São Jerônimo no Deserto', Leonardo da Vinci
'São Jerônimo no Deserto', Leonardo da Vinci

Para Frérederic René Guy Petitdemange, professor de história da arte da faculdade Anhembi Morumbi, é a postura prenunciada na obra "São Jerônimo no Deserto" (1480), de Leonardo da Vinci (1452-1519).

Reprodução
Retrato do Dr. Gachet', Vincent Van Gogh
'Retrato do Dr. Gachet', Vincent Van Gogh

É também a posição que vai representar a melancolia em obras dos séculos seguintes, como o "Retrato do Dr. Gachet" (1890), do pintor pós-impressionista Vicent van Gogh (1853-1890).

Luciana Whitaker/Folhapress
O Pensador', de Auguste Rodin
'O Pensador', de Auguste Rodin

A escultura "O Pensador" (1902), de Auguste Rodin (1840-1917), é outro exemplo da representação desse estado de espírito, que reforça a ligação entre a melancolia e a reflexão intelectual.

Reprodução
Saturno Devorando um de seus Filhos', de Francisco de Goya
'Saturno Devorando um Filho', de Francisco de Goya

A simbologia relacionada à melancolia, como o deus greco-romano Saturno (ou Cronos, senhor do tempo) surge na obra do espanhol Francisco de Goya (1746-1828). A pintura "Saturno devorando um filho" (cerca de 1820) é o melhor exemplo e uma das mais famosas da "fase negra" do pintor.

Divulgação
'O Vampiro', de Edvard Munch
'O Vampiro', de Edvard Munch

Seres noturnos (morcegos, vampiros e corujas) são outros símbolos da melancolia usados ou aludidos pelos artistas. Um exemplo é a obra "O Vampiro" (1894), do norueguês Edvard Munch (1863-1944).

Efe
Nude', de Francis Bacon
'Nude', de Francis Bacon

No olhar do século 20, pessoas sozinhas e espaços vazios, com cores frias, retratam a melancolia/monotonia moderna. É o nu do britânico Francis Bacon (1909-1992), com a mesma cabeça apoiada na mão pintada pelos renascentistas ou o solitário que contempla o nada na tela "Office in a Samll City" (1953), do americano Edward Hopper (1882-1967).

NA LITERATURA

Poetas e escritores também foram acometidos pela melancolia.

Reprodução
O poeta romântico Álvares de Azevedo
O poeta romântico Álvares de Azevedo

A sensação de mal-estar marcou o romantismo, movimento literário dos séculos 18 e 19 que começou na Europa e chegou ao Brasil pelas mãos de autores como Álvares de Azevedo (1831-1852) e Fagundes Varela (1841-1875).

"O poeta dessa época vive assombrado pela ideia de perda e pelo suicídio", explica Márcio Seligmann-Silva, professor de teoria literária da Unicamp.

Reprodução
O escritor João Guimarães Rosa
O escritor João Guimarães Rosa

Riobaldo, protagonista de "Grande Sertão: Veredas" (1956), do mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967), é do tipo melancólico, segundo Seligmann. "Ele perde Diadorim e vai trabalhar a perda narrando a sua história", diz.

Reprodução de Cadernos de Literatura Brasileira
A escritora Clarice Lispector
A escritora Clarice Lispector

Clarice Lispector (1920-1977) é outra escritora lembrada por seu temperamento mais introspectivo.

Sua obra mistura duas fontes de melancolia, diz seu biógrafo, Benjamin Moser. A primeira é o Brasil, cuja realidade social a deixava incomodada; a segunda é a sua origem judaica _isso sem falar nos seus dramas familiares.

"Ela era deprimida, mas conseguiu fazer algo com a depressão, que é a sua obra", disse Moser à Folha. "Como os grandes artistas, ela era muito sensível ao que acontecia ao seu redor."

Nos EUA, o escritor David Foster Wallace (1962-2008) é outro exemplo.

Via Bloomberg
O escritor americano David Foster Wallace
O escritor americano David Foster Wallace

O autor dos contos de "Breves Entrevistas com Homens Hediondos" e do romance "Infinite Jest" (ainda não traduzido para o português) sofria de depressão e cometeu suicídio.

"Ele era irônico, sarcástico. Muitas vezes, essa ironia é uma resposta à melancolia", diz Seligmann.

NO CINEMA

Melancolia é tradição dos filmes nórdicos, segundo Luiz Nazario, professor de história do cinema na UFMG. "A luz pálida do inverno, o frio intenso, a solidão e o medo do contato físico... Tudo ali parece levar a uma profunda melancolia."

Divulgação
Cena do filme "Gritos e Sussurros", de Ingmar Bergman
Cena do filme "Gritos e Sussurros", de Ingmar Bergman

O sueco Ingmar Bergman (1918-2007), diretor de filmes como "Gritos e Sussurros" e "A Hora do Lobo", não foge à regra. "A sua obra é uma grande psicanálise da vida dele mesmo. Seus personagens estão mergulhados em depressões existenciais que beiram a loucura", diz Nazario.

Esse estado de ânimo também inspirou os diretores do expressionismo alemão, da década de 1920.

Reprodução
Cena do filme "O Gabinete do Dr. Caligari", de Robert Weine
Cena do filme "O Gabinete do Dr. Caligari", de Robert Weine

Os personagens atormentados desses longas "arrastam sua melancolia por cenários deformados", segundo Nazario. Alguns exemplos: o sonâmbulo Cesare de "O Gabinete do Dr. Caligari" (1920) e o pianista ensandecido de "As Mãos de Orlac" (1925)

Divulgação
A atriz Nicole Kidman, como a escritora Virginia Woolf no filme 'As Horas
Nicole Kidman como Virginia Woolf no filme 'As Horas'

No mais recente "As Horas" (2002), depressão e morte se repetem nas três histórias do filme, que mistura a vida da escritora inglesa Virginia Woolf (1882-1941) com a de uma depressiva dona de casa americana dos anos 50 e a de seu filho suicida.

Folha de S.Paulo - Neuro - Suzana Herculano-Houzel: Palavras, palavrinhas e palavrões - 16/08/2011

Folha de S.Paulo - Neuro - Suzana Herculano-Houzel: Palavras, palavrinhas e palavrões - 16/08/2011:

"SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com

Palavras, palavrinhas e palavrões

Ao prender um dedo na porta é provável que você descubra seu acervo de expletivos escabrosos


Eles existem aparentemente em todos os idiomase são sons como quaisquer outros, representados por sequências de letras perfeitamente comuns. Mas seus significados são inconfundíveis: palavrões são aqueles itens do vernáculo reservados para comunicar injúrias, insultos e outros conteúdos emocionalmente carregados ou ofensivos."

Nem sempre se direcionam a outras pessoas. Prenda o dedo na porta, e você dificilmente ficará quieto ou gritará: "Malvada!". É provável que, nessa hora, descubra a extensão do seu acervo de expletivos escabrosos.
De fato, recorremos a essas palavras especiais para colocar para fora a dor, tanto física quanto emocional, mesmo quando não há ninguém ao redor. Com resultados: há especialistas que recomendam o uso terapêutico de palavrões para aliviar a dor...
O que torna os palavrões diferentes das outras palavras? Seus significados, seus sons, as associações que construímos a seu redor, tudo isso junto?
Foi pensando nisso que dois pesquisadores da Universidade de Bristol, na Inglaterra, pediram a voluntários (devidamente informados) para ler em voz alta os dois palavrões mais ofensivos da língua inglesa, "f*ck" e "c*nt" (escritos com todas as letras, claro), e seus eufemismos "f-word" e "c-word", enquanto a reação emocional de cada voluntário era medida por um aparelho semelhante a um polígrafo.
O resultado não foi surpresa nenhuma: enquanto ler palavras neutras ou seus "eufemismos" (como "door" e "d-word") produzem uma resposta emocional apenas modesta, a leitura de palavrões em voz alta causa uma resposta emocional quatro vezes mais forte. E eufemismos cumprem sua função, provocando uma resposta que é apenas a metade da causada pelo palavrão correspondente -mas ainda assim duas vezes maior do que palavras neutras.
Não é o significado do palavrão, portanto, que o torna emocionalmente provocativo -ou eufemismos surtiriam o mesmo efeito, em vez de uma resposta mais branda-, e sim sua associação emocional. Há evidências, inclusive, de que palavrões são produzidos pelo córtex cingulado, um córtex "motor emocional", e não pelo córtex pré-motor que articula todo o resto da linguagem. Talvez, por isso, algumas vítimas de derrame percam a fala, mas não seus palavrões. E talvez, por isso, eles sejam a maneira automática de responder à porta que nos ofendeu...

SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, autora de "Pílulas de Neurociência para Uma Vida Melhor" (Sextante) e do blogwww.suzanaherculanohouzel.com

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Folha de S.Paulo - Contardo Calligaris: Vampiros comportados - 11/08/2011

Folha de S.Paulo - Contardo Calligaris: Vampiros comportados - 11/08/2011
CONTARDO CALLIGARIS

Vampiros comportados


Os adolescentes de hoje "desejam pequeno" ou será que eles perseguem um ideal de autocontrole?


Nos últimos anos, repetidamente, manifestei certa preocupação com o fato de que os adolescentes de hoje me parecem "desejar pequeno", ou seja, sonhar com projetos muito "razoáveis", se não desanimadores e quase resignados. A adolescência de minha geração, nos anos 1960, era o contrário: sonhávamos com uma grandiosidade ridícula, sem preocuparmo-nos com as condições efetivas de realização de nossos sonhos.
Deu no que deu: alguns efeitos bons, outros péssimos. Por exemplo, não conseguimos fazer "a" revolução, mas transformamos os costumes (para melhor, pelo menos até agora). Por outro lado, nossa paixão revolucionária defendeu e sustentou caricaturas sinistras de nossos ideais sociais -ou seja, nossas aspirações, por serem desmedidas, produziram alguns monstros.
Talvez isso não aconteça (ou aconteça menos) com os adolescentes de hoje; não seria necessariamente uma perda. Um pai, preocupado, como eu, com o "desejar pequeno" do filho, foi direto ao assunto e perguntou ao menino: "Mas quais são seus sonhos para a vida?". A resposta que ele recebeu o levou a me escrever: "É como se ele (o menino) desconfiasse de seus desejos, como se achasse que eles não são bem dele".
De fato, os adolescentes sempre têm certa desconfiança em relação à proveniência de seu querer. Afinal, logo quando eles começam a sonhar com o que poderia ser sua vida adulta, sofrem também uma irrupção de desejos que, no começo, mal entendem.
Claro, a sexualidade já existe na infância, mas, na puberdade, ela chacoalha o corpo de maneira inédita. É compreensível que um adolescente se pergunte o que é aquilo, para que serve e sobretudo de onde vem. Em geral, antes mesmo de ter se acostumado com a transformação de seu corpo, o adolescente constata que os adultos olham para ele de maneira diferente, como se ele fosse um objeto erótico possível. Disso deriva, provavelmente, a suspeita do adolescente de que o desejo que o transforma vem dos outros -dos adultos, que devem ser todos tarados.
Das primeiras reflexões de Freud até George A. Romero ("A Noite dos Mortos-Vivos", de 1968), esta explicação se popularizou: o desejo vem dos adultos, que avançam babando atrás da gente, querem nos pegar e, se possível, morder e contaminar. Mortos-vivos ou simplesmente artríticos, eles têm mobilidade restrita e pouca fantasia, pois só parecem querer uma coisa: que a gente fique que nem eles.
Pois bem, com a saga "Crepúsculo", de Stephenie Meyer (e sua adaptação cinematográfica), apareceu um novo paradigma da origem do desejo (alimentado, aliás, por séries televisivas, como "True Blood" e "Vampire Diaries"). Eis qual.
O desejo continua vindo dos outros, mas a mordida que contamina é desejada ardentemente pelas "vítimas", enquanto vampiros (e lobisomens) se controlam: embora sejam tão fissurados quanto um morto-vivo à procura de carne, eles resistem e se recusam a morder, enquanto os humanos imploram para serem mordidos.
O novo paradigma, em suma, diz que: 1) o desejo vem dos outros, mas, uma vez que tenhamos sido mordidos (como queremos ser), ele será o nosso, estará na gente, 2) ser vampiro à nossa vez será ótimo e 3) não por isso esqueceremos que desejar é um exercício de autocontrole.
É como se os adolescentes estivessem adotando um ideal em que o desejo seria deles mesmos, fortíssimo e indomável (uma verdadeira fissura), mas heroicamente contido. O vampiro será vegetariano, só se permitirá beber sangue de animais e saberá amar uma humana sem ceder à vontade louca de mordê-la. Da mesma forma, nós, sem recalque, teremos fantasias, sonhos e desejos, sexuais ou outros, poderosíssimos, mas saberemos discipliná-los.
Será que os adolescentes "desejam pequeno" (como eu pensava) ou será que, à diferença de nós quando éramos adolescentes, eles não idealizam o descontrole, mas a disciplina de si?
Se esse for o caso, talvez os adolescentes de hoje devam sua sabedoria à constatação de que, ao sair de cena, nossa geração, que pretendia desejar muito e descontroladamente, não está deixando uma lembrança muito boa.
Só um exemplo: o descontrole do desejo, ultimamente (e não só no Brasil) aparece sobretudo na falta de autocontrole de classes políticas desavergonhadas e vorazes (de votos ou de privilégios).

ccalligari@uol.com.br

@ccalligaris

Folha de S.Paulo - Estudo segmentado dificulta entender a crise, diz Morin - 11/08/2011

Folha de S.Paulo - Estudo segmentado dificulta entender a crise, diz Morin - 11/08/2011

Estudo segmentado dificulta entender a crise, diz Morin

Para pensador, 'separação artificial' entre economia e demais disciplinas impediu que se previsse crise atual

Ele fez palestra na Sala São Paulo anteontem, dentro do ciclo de seminários Fronteiras do Pensamento

DE SÃO PAULO

A "separação artificial" entre a ciência econômica e as demais disciplinas, no âmbito acadêmico, é o motivo pelo qual os economistas não conseguiram prever a atual crise global nesse setor.
A opinião é do pensador francês Edgar Morin, 90, que fez palestra anteontem na Sala São Paulo, dentro do ciclo de seminários Fronteiras do Pensamento, do qual a Folha é parceira.
"A especulação financeira domina os povos e é mais forte que tudo. Mas, vejam, 95% dos economistas não conseguiram prever a crise de 2008 nem a atual", afirmou.
"Enquanto pensarmos isoladamente em economia, política, filosofia, psicologia, seremos incapazes de entender os problemas globais." Antropólogo, sociólogo e filósofo, Morin é um dos grandes intelectuais do século 20. Pai da teoria da complexidade, na qual defende a interligação dos conhecimentos, é autor de mais de 60 livros.
Ele substituiu no evento o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que cancelou a vinda por problemas de saúde e participou por meio de uma entrevista gravada, exibida em vídeo antes da palestra.
O livro mais recente de Morin, "La Voie - Pour l'Avenir de l'Humanité" (a via - pelo futuro da humanidade), lançado em janeiro na França e com previsão para 2012 no Brasil, serviu de roteiro para sua palestra.
A obra reflete sobre os desafios trazidos pela globalização. Para Morin, todas as crises atuais estão ligadas. "A proliferação das armas de destruição em massa, a degradação da biosfera, a economia mundial sem regulação -pela primeira vez, existe uma interconectividade."
"Mas esse perigo vital tem um lado positivo: aqui temos também a possibilidade de fundar uma nova humanidade e fazer da Terra uma nação comum", acrescentou.
Morin falou da ambivalência da globalização, citando a criação de zonas prósperas e a proliferação da pobreza, ou o excesso de individualismo em contraponto à liberdade de expressão.
"A nave Terra está sendo conduzida sem um piloto, mas não podemos perder a esperança. A humanidade já conseguiu se regenerar diversas vezes, lembrem-se de Buda, Jesus, Maomé ou mesmo do florescimento do capitalismo enquanto o feudalismo gangrenava", afirmou.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Folha de S.Paulo - Países ricos têm maiores índices de depressão - 02/08/2011

Folha de S.Paulo - Países ricos têm maiores índices de depressão - 02/08/2011

Países ricos têm maiores índices de depressão

Dado é de pesquisa internacional que entrevistou 89 mil pessoas

Nações de renda alta têm 14,6% de deprimidos, contra 11% das mais pobres; em SP, 18% são afetados


RAFAEL GARCIA
DE WASHINGTON

Um levantamento sobre a depressão em 18 países indica que esse transtorno psiquiátrico é mais comum em nações ricas do que em pobres.
O Brasil, porém, representado no estudo por dados da Grande São Paulo, foi o país em desenvolvimento com mais pessoas afetadas.
A pesquisa, para a qual foram entrevistadas 89 mil pessoas, é resultado de um projeto da divisão de saúde mental da OMS (Organização Mundial da Saúde).
O registro de uma prevalência maior da depressão (14,6%) em países de renda média e alta do que nos de renda baixa (11,1%) não tem uma explicação única, afirmam os cientistas.
"Diferenças em exposição ao estresse, reação ao estresse e em depressão endógena [de origem interna], não relacionada aos fatores ambientais, são possíveis influências", afirma o estudo, liderado pela psiquiatra Evelyn Bromet, da Universidade de Nova York.
"A desigualdade social, em geral maior nos países de alta renda do que nos de baixa, leva a problemas crônicos que incluem a depressão."
Talvez não por acaso, o Brasil, onde a desigualdade social é ampla, figura na pesquisa com uma prevalência de 18% desse transtorno psiquiátrico. Entre os países ricos, a exceção foi o Japão, com só 6,6% de deprimidos.

CLASSE SOCIAL
As pessoas mais pobres dos países ricos tiveram mais risco de passar por um episódio de depressão, tendência que não foi observada nas nações mais pobres.
Segundo Bromet, a diferença de 3,5% na incidência média de depressão entre países ricos e pobres pode não estar ligada ao grau de desenvolvimento.
"O que me impressiona mais é que, na maioria dos países, a prevalência em tempo de vida está entre 10% e 20%", disse a pesquisadora à Folha. "Isso significa que toda a comunidade médica precisa manter vigilância para reconhecer a depressão."
Um dado foi uniforme entre todos os países: mulheres tinham o dobro de risco de apresentar depressão do que os homens.
A idade do primeiro episódio ficou entre os 20 e 30 anos. Nos países mais pobres, a depressão começa mais cedo do que nos ricos.

DADOS PONTUAIS
No caso do Brasil, um fator que pode ter causado um viés nos dados é que o país foi o único a contar com dados de só um centro urbano.
A China incluiu dados de três cidades, e os outros países trabalharam com amostragens nacionais.
"Essa marca de 18% do Brasil não seria tão alta se o estudo tivesse incluído áreas rurais, já que populações urbanas têm maior associação com o estresse em razão da violência", afirma Maria Carmen Viana, psiquiatra da USP e uma das autoras do estudo.
Viana conta que buscou financiamento para a pesquisa em órgãos federais e estaduais, mas só conseguiu com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). "Não conseguimos verba para uma amostragem nacional."

Critérios para diagnóstico podem mudar

DE WASHINGTON

Os critérios de definição de depressão que resultaram nos números da nova pesquisa mundial são do DSM, o Manual de Diagnósticos e Estatísticas da Associação Americana de Psiquiatria, conhecido como a "bíblia" dos transtornos mentais.
A obra, hoje na quarta edição, está em reformulação, e alguns critérios para classificar o "transtorno depressivo maior", nome técnico da depressão, podem mudar.
Alguns psiquiatras e psicólogos acham a definição de depressão muito abrangente na versão atual. Para eles, pessoas com reações normais de tristeza estariam sendo diagnosticadas como portadores de um transtorno.
Outros pesquisadores acham que, ao adotar muitos critérios de exclusão, o manual estaria levando a diagnósticos falsos-negativos.

LUTO
Um dos pontos mais polêmicos é a exclusão por luto. Hoje, pessoas com sinais de depressão após a perda de um parente não são diagnosticadas com o transtorno, pois o manual considera que essa reação normal. A nova versão do DSM propõe abandonar o critério.
"Algumas pessoas escreveram que essa mudança levaria ao diagnóstico automático de indivíduos em luto como deprimidos", escreveu Kenneth Kendler, psiquiatra de um dos grupos de trabalho do DSM-5, em comunicado defendendo a proposta. "Isso foi um engano."
Segundo Kendler, os sintomas de quem tem depressão no luto são similares aos de pessoas que adquirem o transtorno após outros traumas. Mas isso não significa um diagnóstico automático.