terça-feira, 26 de julho de 2011

Folha de S.Paulo - Rosely Sayão: Mudança de comportamento - 26/07/2011

Folha de S.Paulo - Rosely Sayão: Mudança de comportamento - 26/07/2011

ROSELY SAYÃO

MUDANÇA DE COMPORTAMENTO


Na crise dos seis anos, a criança manifesta sua angústia por meio de rebeldia, dependência e medo

MUITOS PAIS de crianças entre cinco e sete anos estão estranhando suas atitudes. "Minha filha está irreconhecível, fala palavrão e me desobedece", escreveu uma mãe. "Meu filho está com comportamento adolescente, se rebela contra mim o tempo todo", testemunhou outra.
É verdade: nessa fase da vida ocorrem mudanças. Algumas vezes reaparecem situações que aparentemente já haviam sido superadas. O medo, por exemplo.
A criança pequena expressa medo com frequência: do escuro, da bruxa, de ficar sem a mãe, de uma determinada música ou de um animal. Aos poucos, com o apoio firme dos pais, deixa de mostrar esse estado afetivo com tanta facilidade. Talvez não deixe de sentir medo, mas o enfrenta com recursos construídos ao longo do tempo.
Mas, perto dos cinco, seis anos, o medo pode voltar a aparecer. A criança tem pesadelos e, no meio da noite, se desespera, procurando a cama dos pais ou a companhia de um deles em seu quarto. E os pais que têm filhos nessa fase sabem muito bem o que significa procurar: se parece mais com exigir. Ah! E como os filhos sabem fazer isso bem, não é verdade?
Outro fato comum na vida da criança nessa idade é a necessidade da ajuda dos pais (da mãe, principalmente) para fazer coisas que, antes, fazia muito bem sozinha.
A mãe de uma garotinha de seis anos contou que, agora, toda santa noite, a filha choraminga para colocar o pijama, diz que não consegue trocar a roupa sozinha. Alguém duvida que a garota consegue fazer a mãe colocar o pijama nela?
Por que isso acontece? Entender o contexto desse momento do desenvolvimento infantil talvez melhore o relacionamento entre pais e filhos. Por isso, vamos pensar um pouco nessas crianças.
O primeiro fato importante a ser lembrado é que essa idade sinaliza uma passagem: a da primeira infância para a segunda -e derradeira- parte dela. Isso a criança intui com precisão.
Caro leitor, você acha que é fácil despedir-se dos primeiros seis anos de vida?
Não, não é nem um pouco fácil perder a segurança, mesmo que ilusória, transmitida pela presença constante dos pais. E a criança sabe que, a partir de então, terá de começar a caminhar na vida com suas próprias pernas.
É isso que significa crescer, fato que irá dominar a vida da criança a partir dos sete anos, mais ou menos.
A criança vive, então, uma crise por volta dos seis anos. E o modo que ela tem de expressar o que sente, mesmo sem entender muito bem, é mudando seu comportamento. Muitas ficam bravas com seus pais, como bem contaram nossas leitoras citadas. O problema é entender essa braveza como manifestação de agressividade, como muitos pais fazem.
A criança fica brava com os pais porque sente que está para perdê-los, esse é o ponto principal. E reagir ao comportamento do filho de modo igualmente bravo -colocar de castigo, punir, reclamar- tem sido bem comum.
Se os pais entenderem que a rebeldia, a desobediência, a dependência e o medo que a criança manifesta nada mais são do que sinais da angústia da separação que está por vir, poderão aquietar o filho com mais paciência, mais carinho, mais firmeza e tranquilidade.
E isso é tudo o que a criança precisa para saber que seus pais aceitam seu crescimento. E que irá contar com eles -em todos os sentidos- na continuidade de sua trajetória de vida.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

Folha de S.Paulo - Sincronize luz e ritmo biológico - 26/07/2011

Folha de S.Paulo - Sincronize luz e ritmo biológico - 26/07/2011

Trate sua casa

É terapia pura: um bom rearranjo vai deixar o espaço mais relaxante, saudável e convidativo

Carlos Cecconello/Folhapress
Sala na casa da decoradora Neza César, em SP; cores nas paredes e nos móveis deixam o ambiente alegre e estimulante

JULIANA VINES
DE SÃO PAULO

Casa-vitrine, cheia de objetos bonitos, não é sinônimo de "casa saudável". A expressão é empregada na geobiologia, que estuda o impacto dos ambientes no homem.
"Estudos comprovam que as cores das paredes, a altura do teto, a iluminação e os produtos químicos usados na limpeza são determinantes para a saúde", diz Allan Lopes, fundador do Instituto Brasileiro de Geobiologia.
"Mas nunca pensamos que estamos cansados porque o teto do escritório é baixo e a luz é clara."
Para a arquitetura, imóvel vivo começa na boa estrutura e inclui espaços integrados, de forma que todos os ambientes sejam aproveitados. Cômodo vazio, além de desperdício, é sinal de que o lugar não atrai.
Usar todos os espaços também é uma das 12 regras em "A Casa Terapêutica" (Ground, 272 págs., R$ 49), livro que ensina a aumentar a saúde do lar. Outra regra é não abusar da monotonia branca nas paredes -com a qual concordam os especialistas ouvidos aqui (eles dão, a seguir, seus truques para deixar a casa "sarada").
Para a escritora Letícia Braga, autora de "O Prazer de Ficar em Casa" (Casa da Palavra, 80 págs.,R$ 16), deixar o ambiente mais convidativo requer mais esforço do que dinheiro. "Muita gente escolhe materiais sintéticos e sem graça para ter menos trabalho.

Mas devemos ter trabalho, não? Devemos querer cuidar da nossa casa, passamos boa parte do tempo lá."

SINCRONIZE LUZ E RITMO BIOLÓGICO

Casa bem iluminada não é só uma questão de decoração. Luz e sombra têm relação direta com ritmo biológico.
"Associamos tons amarelados e alaranjados do entardecer com o repouso e branco e azul com um estado maior de atividade. Essa é uma pista para determinar o que é aconchegante", diz Gilberto Franco, arquiteto especialista em iluminação.
Pensando nisso, aproveite a iluminação natural e prefira lâmpadas de cores quentes para salas e quartos (há lâmpadas fluorescentes amarelas). Em lavanderias e cozinhas, as brancas vão bem. Permitir a variação de luminosidade também é bom.
Coloque mais de um ponto de luz em cada cômodo. Não economize em luminárias, que suavizam e mudam o tom da luz. Instale interruptores (dimmers) que dosam a luminosidade ou, em um mesmo ambiente, coloque várias luzes independentes.

ESQUEÇA A DECORAÇÃO DE REVISTA

Não é difícil (nem caro) decorar seu espaço. "Uma casa saudável tem a cara de quem mora ali, reflete a personalidade, não é padronizada", diz o arquiteto Guto Requena.
Escolha objetos que significam algo para você, reforme móveis antigos, deixe à mostra objetos queridos ou de família.
É fundamental não se prender a modas, diz o o arquiteto Marco Donini. "Decoração em exagero, principalmente quando segue cartilhas e modismos, é uma armadilha."
Nada proíbe você de ter uma casa cheia de coisas, mas é bom deixar espaços vazios. Ambientes mais limpos visualmente acalmam os sentidos, relaxam a mente.

EVITE PERSIANAS TIPO 'CONSULTÓRIO'

Persianas de metal e estofados de tecidos sintéticos são funcionais, mas deixam a casa com cara de consultório médico. Nem sempre o que é mais fácil de limpar é confortável. Procure almofadas, cortinas e sofás com apelo tátil, gostosos de pegar.
"Fibras naturais são mais convidativas", diz o arquiteto Maurício Arruda.
Lençóis de algodão são mais fofos do que os de microfibra, assim como os sofás de tecido ou couro.
Quem tem algum tipo de alergia respiratória e quiser fugir do poliéster antialérgico pode investir em tapetes feitos com fibras de garrafa pet, fofos e fáceis de lavar.
Para aumentar a sensação de bem-estar, a decoradora Neza Cesar dá a ideia de usar água de passar roupa com essência de lavanda nos lençóis. Em banheiros e lavabos, experimente borrifar as essências de capim-santo ou flor de laranjeira, bem mais agradáveis do que o cheiro de desinfetantes pesados.

DEIXE O AR ENTRAR E ROLAR

Garantir a circulação de ar é uma das primeiras regras para uma casa "terapêutica". O ideal é que os ambientes tenham grandes entradas de ar em lados alternados, para que haja circulação, explica o arquiteto Rodrigo Marcondes Ferraz, do escritório FGMF.
Quando possível, deixe portas e janelas abertas. A falta de ventilação ajuda a juntar umidade e facilita a proliferação de fungos e ácaros. Ar fresco ajuda até a prevenir gripes e resfriados, de acordo com o infectologista Stefan Cunha Ujvari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Quem usa ar-condicionado deve ficar de olho se a manutenção está em dia. Mesmo se estiver em dia, prefira a ventilação natural.
Armários e closets devem ter vãos livres para que o ar circule. Se ainda assim a umidade for insistente, uma boa ideia é colocar no armário e nas gavetas bolinhas de cedro ou pedaços de giz de lousa.

DEVAGAR COM O PISO FRIO

Piso frio não tem esse nome por acaso. E colocá-lo em todo lugar é um dos erros mais comuns.
Um dos exemplos é o abuso do porcelanato, aquele piso brilhante.
"As pessoas optam pelo porcelanato por ser fácil de limpar, mas aí usam em todos os cômodos e a casa fica fria e monótona" , diz o arquiteto Maurício Arruda.
Aí não há tapete que resolva. Nos quartos e sala, prefira pisos de madeira, que deixam o ambiente mais convidativo, principalmente no inverno.

"Só escolhi os móveis depois de sentir o espaço"

Quando se mudou para um apartamento de 59 m2, a designer Raquel Mendes, 27, só tinha uma cama. "Quis escolher os móveis só depois de conhecer e sentir o espaço." Com o tempo, foi colocando peças antigas reformadas misturadas a objetos de design e lembranças de viagens. As paredes azuis e verdes da sala e do escritório foram escolhidas para deixar o ambiente maior e mais fresco. Uma estante enorme de madeira guarda todos os livros e bibelôs. "É o móvel mais marcante da casa."

MUITA TINTA, MAS POUCA QUÍMICA

Casa toda branca (ou bege) é um tédio. "Fica sem personalidade", diz o arquiteto Guto Requena. Para ele, não há cor que não possa ir à parede. "Azul, preto, rosa", enumera. "O maior erro é o medo."
Cores frias (azul e verde, por exemplo) dão a impressão de que o ambiente é maior e ajudam a relaxar. Cores quentes dão mais energia, mas podem não ser uma boa ideia em locais com temperaturas mais altas.
E não precisa fazer uma revolução: pintar uma parede já muda completamente o ambiente. "Quem não quer pintar a casa, pode usar móveis e objetos coloridos", sugere a decoradora Neza Cesar.
É importante escolher uma tinta pouco tóxica e com menos cheiro, o que ajuda a evitar alergias respiratórias. Prefira as que usam solventes à base de água. Solventes químicos, como o tíner, evaporam e pioram a qualidade do ar mesmo depois que a tinta já está seca. As tintas acrílicas são menos tóxicas do que as tintas tipo esmalte e látex.

ÁGUA E SABÃO É A MELHOR MAGIA

Uma casa terapêutica, que cumpre a função de ajudar você a recarregar sua energia, precisa ser muito limpa. Para isso, um planejamento de arrumação (diária, semanal ou mensal) é mais efetivo do que o uso de produtos de limpeza caros, segundo a especialista em organização Ingrid Lisboa.
O infectologista Stefan Cunha Ujvari explica que alguns cuidados podem livrar a casa do risco de contaminação por vírus e bactérias. Em quartos, sala e cozinha, limpe a sujeira sem usar desinfetantes poderosos. "Água e sabão comum resolvem."
Na pia da cozinha, não misture carnes cruas com saladas e frutas. Carnes podem ter larvas de parasitas. Separe na hora do preparo e, entre uma fase e outra, limpe o balcão com água e sabão. No banheiro, use desinfetantes ou produtos multiuso para piso, vaso e pia. Nesses locais há bactérias que causam infecções e diarreia.

BARREIRAS VERDES DE PROTEÇÃO

Quem não se sente melhor na companhia de um vasinho de flor? "É barato, fácil de comprar e muda a cara do cômodo", diz a paisagista Claudia Munõz. Qualquer violeta ou crisântemo de supermercado já ajuda.
Quem quer investir um pouquinho mais pode comprar orquídeas, que ficam com flores por até dois meses. As do tipo falenopse não são caras, não exigem tantos cuidados e são vendidas em várias cores.
Outra flor boa de lidar é o lírio da paz. "Dá para ter dentro de casa, mas precisa de sol", alerta a paisagista Paula Galbi.
Para saber onde colocar a planta, a dica da paisagista é imaginar um ângulo de 45 ° a partir de uma janela até uma parede: essa é a distância máxima para deixar uma folhagem, árvore ou flor.
Dentro de casa, vão bem: palmeira-camedória, filodendros (incluindo pacová) e árvore da felicidade.
Na varanda, cactos e plantas suculentas dão pouco trabalho. "Árvores frutíferas e folhagens exigem mais cuidados, mas ajudam a criar um isolamento mecânico contra a poluição do ar e sonora."
Quem gosta de ervas e temperos frescos pode ter vasos nas janelas da cozinha ou na varanda -se bater sol. Temperos não são muito fáceis de manter: precisam de luz e água todos os dias.

CASA BOA DIFICULTA ACIDENTES

Para os mais velhos, a casa saudável é segura e prática. A fisioterapeuta Monica Rodrigues Perracini, especialista em gerontologia, diz que corredores e áreas de acesso às janelas devem ficar livres. Diz também que mesas de centro, vasos e bibelôs são obstáculos, é melhor eliminar.
No piso, evite estampas ou cores demais, que podem dificultar a percepção de profundidade. Prefira os antiderrapantes e de cores claras.
Tapetes aquecem o lugar, mas são difíceis de limpar. Não devem ser muito fofos (menos de 6 mm de altura), para não dificultar a locomoção. Tapetes pequenos soltos pela casa, assim como fios, são proibidos.
Degraus e rampas devem ser bem iluminados. Corredores precisam de luzes de acesso à noite, banheiro idem.
E vale observar o conforto dos móveis, não só o design. Sofás de dois lugares são melhores, porque quem senta tem pelo menos um apoio de braço. Gabinetes e armários devem permitir o acesso a objetos localizados na altura da cintura e não devem ter muita profundidade.

"Tenho plantas em todos os espaços, elas dão vida"

O advogado Fábio Mota, 34, está há um ano e meio em seu apartamento na Vila Madalena, em SP. Foi ele que pensou no conceito do projeto: o terraço, que tinha um escritório e uma lavanderia, virou um espaço com plantas e redes. "Queria um apartamento urbano, mas que fosse amplo e com muitas plantas." No jardim privativo do quarto, ele manteve a jabuticabeira que já estava ali.
"É um dos meus lugares favoritos." Outro é o banheiro, que tem vista para a avenida Paulista e é iluminado com ajuda de velas.

domingo, 24 de julho de 2011

Folha de S.Paulo - Açúcar causa dependência como álcool e cigarro - 24/07/2011

Folha de S.Paulo - Açúcar causa dependência como álcool e cigarro - 24/07/2011

ENTREVISTA
ROBERT LUSTIG


Açúcar causa dependência como álcool e cigarro

ENDOCRINOLOGISTA AMERICANO LANÇA POLÊMICA AO CULPAR O CONSUMO DE DOCES E ATÉ SUCOS PELA EPIDEMIA DE OBESIDADE

Divulgação
O endocrinologista americano Robert Lustig

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO

Açúcar é veneno. Do mais natureba, o mascavo, até o suco de fruta ou o famigerado xarope de milho, o açúcar está por trás de doenças cardíacas, diabetes e câncer.
E deveria ser proibido para menores de 21 anos, como o álcool e o cigarro.
É com essas declarações polêmicas que o americano Robert Lustig, endocrinologista pediátrico da Universidade da Califórnia em San Francisco, ganhou fama internacional nos últimos anos.
Sua palestra "Açúcar: a verdade amarga" teve mais de 900 mil acessos no YouTube (tinyurl.com/ldgu9k). Há duas semanas, suas teses foram tema da reportagem de capa da revista do "New York Times". Abaixo, os principais trechos da entrevista que ele concedeu à Folha, por telefone.


Folha - O senhor defende que as pessoas eliminem totalmente o açúcar da dieta?
Robert Lustig - Não, eu não sou um "food nazi". Eu como açúcar, mas muito pouco.
Nosso corpo tem uma capacidade muito limitada para metabolizar o açúcar e nós vivemos muito acima dela. Não precisamos de frutose para viver. Nosso corpo ficaria muito bem sem nenhuma frutose [açúcar refinado, a sacarose é composta de 50% de frutose e 50% de glicose].

Qual é o máximo de frutose que deveríamos ingerir?
Não temos certeza. Mas uma estimativa é 50 g por dia. Meus estudos mostram as similaridades entre frutose e álcool. Eles são metabolizados da mesma forma, no fígado. E nós sabemos qual é o limite de toxicidade para o álcool: 50 g. A epidemia de obesidade começou quando o consumo de frutose ultrapassou os 50 g por dia [ou 100 g de açúcar, o mesmo que duas latas e meia de refrigerante].
A Associação Cardiológica Americana publicou uma orientação, em agosto de 2009, da qual eu sou coautor, dizendo que o consumo atual de açúcar nos EUA é de 22 colheres de chá por dia. Deveríamos reduzir isso para nove colheres no caso de homens e seis no caso de mulheres.

Qualquer açúcar é ruim, não importa se é mascavo ou xarope de milho?
Todos são igualmente ruins.

Deveríamos substitui-los por adoçantes artificiais?
Adoçantes artificiais são uma questão complicada. Não fizemos todos os testes para saber o que os adoçantes fazem no organismo.
Segundo uma linha de estudos, uma vez que a língua sente o sabor doce, o cérebro se prepara para a entrada do açúcar no sangue. Se ele não entra, o cérebro fica confuso, o que pode levar a um aumento no consumo de açúcar.
Há estudos ligando o consumo de adoçantes a obesidade e doença cardíaca.

Qual a alimentação que os pais devem dar a seus filhos?
Crianças devem comer comida de verdade.

Mas isso inclui suco de fruta natural...
Não, suco de fruta, mesmo natural, não é comida de verdade. Deus fez suco de fruta? Não. Deus fez fruta. Qual é a diferença entre a fruta e o suco? Fibras. A fibra é a parte boa da fruta, e o suco, a má.
Sempre que há frutose na natureza, há muita fibra ""há uma exceção, o mel, mas este é policiado pelas abelhas.
As fibras limitam a velocidade da absorção dos carboidratos e das gorduras do intestino para a corrente sanguínea. Quanto mais rápido a energia sai do intestino e vai para o fígado, maiores as chances de danificar o órgão.

Quando o senhor diz que crianças devem comer comida de verdade, isso inclui um sorvete no fim de semana?
Sim. Quando eu era pequeno, sobremesa era uma vez por semana. Hoje, é uma vez por refeição. Esse é o problema. Eu tenho duas filhas pequenas e é isso que faço. Se é dia de semana e elas querem sobremesa, ganham uma fruta. Uma bola de sorvete, só no fim de semana. Elas seguem as regras e não ficam sonhando com doces.

O senhor propõe que a venda de doces e refrigerantes seja proibida para menores, como cigarros e álcool.
Sim. Refrigerantes não têm valor nutritivo, não fazem nenhum bem às crianças. Se os pais quiserem que seus filhos tomem refrigerante, que comprem para eles.

Não é exagero comparar açúcar a álcool e cigarros?
Não. Cigarros e álcool causam dependência, e açúcar também. Nos refrigerantes, tanto a cafeína como o açúcar causam dependência. Sal e gordura causam hábito, mas não dependência.

Como o senhor explica os efeitos nocivos do açúcar?
Quatro alimentos foram associados à doença metabólica crônica: gorduras trans, aminoácidos de cadeia ramificada [soja], álcool e frutose.
A frutose, quando é metabolizada, libera substâncias tóxicas chamadas espécies reativas de oxigênio [radicais livres], que levam a danos nas células no longo prazo, envelhecimento e, potencialmente, câncer.

Folha de S.Paulo - Gilberto Dimenstein: Como aprender a fazer negócios - 24/07/2011

Folha de S.Paulo - Gilberto Dimenstein: Como aprender a fazer negócios - 24/07/2011

GILBERTO DIMENSTEIN

Como aprender a fazer negócios


Os negócios são cada vez mais globais; a lista das maiores empresas do mundo comprova isso


NÃO ESPERAVA por uma resposta tão direta e franca quando perguntei ao professor Nitin Nohria, diretor da Escola de Negócios em Harvard, o motivo de sua viagem ao Brasil no próximo mês e ele disse que era uma questão de sobrevivência.
Sobrevivência daquela que é considerada, em vários rankings internacionais, a melhor escola de negócios do mundo, responsável há muitas décadas pela formação da elite empresarial norte-americana e cujas pesquisas estão no currículo da imensa maioria das faculdades de administração do planeta. É uma instituição que, por causa de seus influentes alunos, tem um fundo de quase R$ 4 bilhões.
No século 21, os negócios são cada vez mais globais e menos "americocêntricos". Para comprovar isso, basta ver as mudanças na lista das maiores empresas do mundo. "Para continuarmos na vanguarda, temos de ir para onde os negócios vão."
O próprio Nitin, especializado em estudo sobre lideranças e mudanças organizacionais, é exemplo dessa reviravolta. Indiano, autor de estudos que o levaram a viajar a mais de 50 países, ele é o primeiro professor nascido fora do Ocidente a ocupar a direção da faculdade.
Por que, afinal, uma viagem ao Brasil tem a ver com a sobrevivência daquela escola? Na resposta, você verá como se molda a educação de excelência no século 21.


Para Nitin, uma das principais razões de sua faculdade se destacar é a qualidade dos alunos. O Brasil é, hoje, segundo ele, um dos cinco mais importantes países a serem acompanhados por quem estuda o futuro dos negócios.
"Queremos sempre atrair os melhores alunos de cada país, capazes de empreender e inovar. Podemos estar nos Estados Unidos, mas temos de ser radicalmente globais para nos mantermos inovadores."
Esse ambiente cria um círculo virtuoso. Para ele, a escola poderia adotar o slogan informal de Nova York, cantado por Frank Sinatra ("If you make it there, I'll make it everywhere"), ou seja, se você se dá bem ali, o mundo vai abrir as portas para você. Há um processo permanente de estímulo à competição, com a apresentação de projetos e planos de negócio dos estudantes.
Neste ano, aliás, eles estão inaugurando uma incubadora-modelo, reunindo professores, pesquisadores e alunos das mais diversas áreas, da medicina à engenharia, para trabalharem juntos. O projeto, nascido dentro de uma antiga estação de televisão, foi batizado de HI (Harvard Innovation).
A tendência histórica, na visão de Nitin, é as nações emergentes terem escolas de negócios cada vez melhores. Vejam como, na área de ensino de negócios, cresce o prestígio internacional de instituições como a Fundação Dom Cabral, a Fundação Getulio Vargas e o Insper.


Como as aulas são baseadas em casos concretos de sucessos ou fracassos empresariais, ter alunos brilhantes e provocativos produz visões criativas. Trabalha-se, portanto, em cima de um problema, ou seja, de um desafio. "Isso significa que temos de ter um contato próximo com o Brasil para ter mais casos de vocês levados aos alunos". Já são 198 casos nacionais estudados em sala de aula. "Quantas informações universais não se podem extrair da Natura?" Aqui entra o desafio de tentar navegar no excesso de informação e selecionar o que seria o essencial. "Para ser franco, ainda não sei se estamos lidando bem com o desafio do excesso informação. Temos de acompanhar a velocidade extraordinária da inovação, mas conseguir captar o que é relevante."
Uma das riquezas da escola é saber escolher e relatar bem esses casos explorados. É aí que entra o papel decisivo do que Nitin chama de professor-empreendedor. "Nossos professores não apenas têm paixão por ensinar mas também são empreendedores no sentido de que não param de pesquisar e de trazer novos olhares e desafios".


Para completar o círculo virtuoso, a faculdade promove conversas reservadas dos alunos (não podem ser divulgadas) com as melhores cabeças de negócios do mundo para falar de suas experiências. Em geral, são conversas francas, em que os autoelogios são menos importantes do que o aprendizado com os erros. "Tenho de pensar na educação dos próximos cem anos. Focar os Estados Unidos nos deixará obsoletos." E aí o caminho é fazer do mundo a melhor escola. Aliás, isso é apenas a continuação do que Nitin faz em sua própria vida -afinal, ele, além das pesquisas que realizou em 50 países, já morou em cidades como Calcutá, Mubai, Nova Déli, Londres e Boston, quase sempre se mudando para estudar.



PS- Uma lição: apesar de ser considerada a melhor do mundo, a Escola de Negócios de Harvard comporta-se com a humildade pragmática de quem sabe que tem muito a aprender. Não é o que vejo em muitos de nossos reitores, aparentemente satisfeitos. Fui criticado por todos os lados só porque disse que a Faculdade de Direito da USP, apesar de estar em primeiro lugar, deveria sentir-se envergonhada com o fato de que cerca de 40% de seus alunos não foram aprovados no exame da OAB.

Folha de S.Paulo - José Renato Nalini: São Paulo na UTI
- 24/07/2011

Folha de S.Paulo - José Renato Nalini: São Paulo na UTI<br> - 24/07/2011

Fome na Somália

BAN KI-MOON


Para reverter a situação no Chifre da África, para oferecer esperança em nome de nossa humanidade comum, devemos mobilizar todo o mundo


Em todo o Chifre da África, as pessoas estão famintas. Uma combinação catastrófica de conflitos, alto preço dos alimentos e seca deixou mais de 11 milhões de pessoas em extrema necessidade. A ONU está emitindo alertas há meses.
Temos resistido a usar a palavra fome -mas, na quarta-feira, reconhecemos oficialmente a realidade.
Há fome na Somália. E está se espalhando. Esse é um alerta que não podemos ignorar.
Todos os dias, escuto os relatórios angustiantes de nossas equipes. Refugiados somalis caminhando durante semanas para encontrar ajuda. Órfãos que chegam sozinhos, seus pais mortos, assustados e desnutridos, em terra estrangeira.
Dentro da Somália, ouvimos histórias terríveis de famílias que viram suas crianças morrer, uma a uma. Recentemente, uma mulher chegou a um campo de deslocados da ONU a 140 quilômetros do sul de Mogadíscio após três semanas de caminhada.
Halima Omar, que, hoje, após três anos de seca, mal sobrevive.
Quatro de suas seis crianças estão mortas. "Não há nada pior que ver sua criança morrer diante de seus olhos porque você não pode alimentá-la", disse. "Estou perdendo a esperança."
Até para os que chegam aos campos muitas vezes não há esperança.
Muitos estão muito fracos e morrem antes de terem recuperado a força.
Para as pessoas que precisam de atenção médica, muitas vezes não há remédios. Imagine a dor desses médicos, que veem seus pacientes morrer por falta de recursos.
É por isso que falo hoje -para focar a atenção global nessa crise, para emitir o alarme e pedir ao mundo que ajude a Somália neste momento de enorme necessidade.
Para salvar vidas de pessoas em risco -mulheres e crianças são a grande maioria- precisamos de aproximadamente US$ 1,6 bilhão.
Até agora, doadores internacionais deram apenas metade dessa quantia. Para reverter a situação, para oferecer esperança em nome de nossa humanidade comum, devemos mobilizar todo o mundo.
A situação é particularmente difícil na Somália. Lá, os atuais conflitos complicam os esforços de ajuda.
As condições de operação são complicadas pelo fato de o governo nacional de transição da Somália controlar apenas uma parte da capital. Estamos trabalhando em um acordo com as forças de Al Shabaab, um grupo de milícia islâmico, para permitir o acesso a áreas do país controladas por eles. Mesmo assim, ainda há sérias preocupações com a segurança.
Também devemos reconhecer que Quênia e Etiópia, que mantiveram generosamente suas fronteiras abertas, enfrentam seus próprios desafios. O maior campo de refugiados do mundo, Dadaab, já está superlotado, com cerca de 380 mil refugiados. E milhares de outros refugiados aguardam.
Na vizinha Etiópia, 2.000 pessoas chegam por dia no campo de refugiados de Dolo. Isso se combina com uma crise de alimentos enfrentada por quase 7 milhões de quenianos e etíopes em casa.
Em Djibuti e Eritreia, milhares de pessoas também estão precisando de ajuda.
Acima de tudo, nós precisamos de paz. Enquanto houver conflito na Somália, não poderemos combater efetivamente a fome. Mais e mais crianças ficarão famintas; mais e mais pessoas irão morrer desnecessariamente.
Na Somália, Halima Omar nos disse: "Talvez este seja nosso destino -ou talvez um milagre aconteça e seremos salvos deste pesadelo".
Não posso aceitar isso como seu destino. Juntos, precisamos resgatá-la, bem como precisamos resgatar seus compatriotas e todas as suas crianças, desse pesadelo verdadeiramente terrível.

BAN KI-MOON, mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA), é o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Foi ministro das Relações Exteriores e do Comércio da República da Coreia.

Folha de S.Paulo - Apologia da preguiça - 24/07/2011

Folha de S.Paulo - Apologia da preguiça - 24/07/2011

ENSAIO

Apologia da preguiça

O sequestro do nosso tempo pelo trabalho

RESUMO
Em tempos de tecnociência, permanece irrealizada a utopia da libertação do homem pelas máquinas: nunca se trabalhou tanto, e o tempo livre jamais esteve tão fora da pauta. Ora estigmatizado na ordem produtiva, ora exaltado na tradição filosófica, o preguiçoso é hoje o símbolo do tempo livre para o pensamento.

ADAUTO NOVAES

O trabalho deve ser maldito, como ensinam as lendas sobre o paraíso, enquanto a preguiça deve ser o objetivo essencial do homem. Mas foi o inverso que aconteceu. É esta inversão que gostaria de passar a limpo.
Malevitch, "A Preguiça como Verdade Definitiva do Homem"

SABE-SE QUE uma única palavra é suficiente para arruinar reputações e, entre todas, preguiça é uma das mais suspeitas e perigosas. Ao longo dos séculos, foi carregada de significações contraditórias e impressionantes variações.
Dela decorre longo cortejo de acusações bizarras, mas também sabe ser tema de obras de arte, poesia, romance, pinturas, reflexões filosóficas: o preguiçoso é indolente, improdutivo, nostálgico, melancólico, indiferente, distraído, voluptuoso, incompetente, ineficaz, lento, sonolento, silencioso. Preguiça e trabalho guardam um misterioso parentesco, quase simétrico e especular.
Para o preguiçoso, "é preciso ser distraído para viver" (Paul Valéry), afastar-se do mundo sem se perder dele; exatamente por isso, é acusado de não contribuir para o progresso.
Além de praticar crime contra a sociedade do trabalho, o preguiçoso comete pecado capital. Pela lógica do mundo do trabalho e da igreja, ele deve sentir-se culpado, pagar pelo que não faz.
Mais: pensadores como Lafargue, Stevenson, Bertrand Russell, Jerome K. Jerome, Marx e Samuel Johnson apostaram no desenvolvimento técnico como possibilidade de liberação do trabalho. Erraram: na era da tecnociência, nunca se trabalhou tanto e nunca se pensou tão pouco. Assim, o espírito tende a se tornar coisa supérflua.

O QUE FAZER Ao pensar sobre o fazer, o ocioso pode prestar um grande serviço e ajudar a responder à velha questão moral: o que devo fazer? Dependendo da resposta, teremos diferentes definições do que seja o homem, a política, as crenças, o saber, nossa relação com o mundo, e, principalmente, nossa relação com o trabalho. A resposta pode nos dizer não apenas o que fazemos mas também o que o trabalho faz em nós.
Hoje, maravilhosas máquinas "economizam" o trabalho mecânico, mas criam novos problemas: primeiro, uma espécie de intoxicação voluntária, isto é, "mais a máquina nos parece útil, mais ela nos torna incompletos" (Valéry).
A máquina governa quem a devia governar; daí decorre o segundo problema, bem mais complexo: tantas potências auxiliares mecânicas tendem a reduzir "nossas forças de atenção e de capacidade de trabalho mental", o que se relaciona à impaciência, à rapidez e à volatilidade nunca antes vistas.
Assim escreveu Paul Valéry (1871-1945): "Adeus, trabalhos infinitamente lentos, catedrais de 300 anos cuja construção interminável acomodava curiosas variações e enriquecimentos sucessivos... Adeus, perfeições da linguagem, meditações literárias e buscas que tornavam as obras ao mesmo tempo comparáveis a objetos preciosos e a instrumentos de precisão!
[...] Eis-nos no instante, voltados aos efeitos de choque e contraste, quase obrigados a querer apenas o que ilumina uma excitação de acaso. Buscamos e apreciamos apenas o esboço, os rascunhos. A própria noção de acabamento está quase apagada".

MONTAIGNE Valéry retoma uma tradição. Lemos em Montaigne (1533-92) que "a alma que não tem um fim estabelecido perde-se. Porque, como se diz, estar em toda parte é não estar em lugar algum". Aqui, entendemos por alma o "trabalho teórico do espírito", potência de transformação. O que leva a alma (espírito) a se perder é o trabalho desordenado.
Habitar o próprio eu, comenta Bernard Sève, é o projeto de Montaigne: viver em repouso, longe das agitações do mundo, retirar-se da pressa do mundo "para se conquistar, passar do negotium ao otium", do negócio ao ócio.
É isso que podemos ler na inscrição que Montaigne mandou pintar nas paredes da sua torre: "No ano de Cristo de 1571, aos 38 anos, vésperas das calendas de março, dia de aniversário de seu nascimento, depois de exercer longamente serviços na Corte (Parlamento de Bordeaux) e nos negócios públicos [...] Michel de Montaigne consagrou este domicílio, este tranquilo lugar vindo de seus ancestrais, à sua própria liberdade, à sua tranquilidade, ao seu 'loisir' (otium)".
Eis que Montaigne recolhe-se ao ócio reflexivo, com um espírito criativo leve e vagabundo. Como escreve Sève, um Montaigne distante das pressões políticas e das injunções do trabalho burocrático, com o espírito já amadurecido, "construído pela vida, espírito prestes ao fecundo exercício de uma ociosidade inteligente e feliz". Mas interpretemos com cuidado esse afastamento do mundo.
Se a vida teórica aparece mais compensadora, é porque Montaigne não encontrou na vida prática -social e política-, no Parlamento de Bordeaux, aquilo que buscava. À diferença dos comuns, Montaigne não procurava satisfação no reconhecimento social e político. No ócio, preferiu a busca da verdade às coisas da política.
Sua "contemplação" teórica é discursiva, isto é, transforma-se em atos de pensamento e, portanto, em atividade prática. Nascem aí os monumentais "Ensaios".

FOUCAULT A aliança entre capital, igreja e disciplina militar para regular o trabalho tem história. Em um curso de 1973, ainda não publicado, Michel Foucault (1926-84) narra a institucionalização do trabalho através da "fábrica-caserna-convento" no final do século 19. Ele descreve as regras de uma comunidade fechada de até 400 trabalhadores: acordar às 5h, 50 minutos para toalete e café, trabalho nas oficinas das 6h10 às 20h15, com uma hora para as refeições. À noite, jantar, reza e cama às 21h. Só no sul da França, 40 mil operárias trabalhavam nessas condições.
O trabalhador é fixado no aparelho produtivo, no qual "o tempo da vida está submetido ao tempo da produção". Vemos nessa experiência uma mudança essencial que nos interessa porque se torna mais aguda e determinante no trabalho hoje: "da fixação local a um sequestro temporal". Ou melhor, da ideia de controle do espaço no trabalho à ideia de controle do tempo.
O trabalho sequestrou o tempo. Se, no século 19, o controle do tempo era apresentado ao operário como um "aprendizado de qualidades morais" que, na realidade, significava a integração da vida operária ao processo de produção, hoje o controle é aceito com naturalidade, e até mesmo desejado.
O homem se integra voluntariamente "a um tempo que não é mais o da existência, de seus prazeres, de seus desejos e de seu corpo, mas a um tempo que é o da continuidade da produção, do lucro".
A reivindicação de tempo livre tornou-se quase que palavra de ordem subversiva: "Preciso tanto de nada fazer que não me resta tempo para trabalhar", conclama Pierre Reverdy, citado no prefácio ao livro de Denis Grozdanovitch "A Difícil Arte de Quase Nada Fazer".

TRABALHO CEGO A mobilização veloz e incessante do trabalho cego não permite ao homem dizer qual é o seu destino e muito menos o que acontece. Ele não dispõe de tempo para pensar e muito menos tem consciência de que seus gestos, no trabalho, produzem muito mais do que os objetos que fabrica.
Há um excedente invisível, entendendo-se por "excedente" tudo o que não é mensurável, que produz catástrofes através do trabalho "normal e produtivo" e se manifesta na poluição, nos desastres ecológicos, no esquecimento e na desconstrução de si.
Como nos lembra Robert Musil em "O Homem sem Qualidades", foi preciso muita virtude, engenho e trabalho para tornar possíveis as grandes descobertas científicas e técnicas, graças aos sucessos dos "homens de guerra, caçadores e mercadores". Tudo isso fundado na disciplina, no senso de organização e na eficácia do trabalho, o que talvez pudesse ser resumido assim: o trabalho mecânico da produção de mercadorias pretende tomar o mundo de assalto, produzindo agitação social e frenesi econômico e consumista, dada a multiplicação de objetos "não naturais e não necessários".
Já o preguiçoso põe-se na escuta de si e do mundo que o cerca.

PENSAMENTO Talvez o mais danoso de todo esse legado para o espírito humano seja a criação de um mundo vazio de pensamento que o ocioso procura preencher. Guardo uma imagem que o poeta e filósofo Michel Deguy me fez ver à janela de seu apartamento, em Paris: um mendigo que dormia 20 horas por dia na escadaria da igreja Saint-Jacques.
Deguy narra essa experiência em um pequeno ensaio com o título "Do Paradoxo": em imagem semelhante, diz ele, também nas escadarias de uma igreja, "a 'Derelitta' de Botticelli está pelo menos sentada, parecendo meditar. Hoje, ninguém medita, como dizia Valéry na figura de M. Teste. Portanto, o mendigo talvez não esteja errado, uma vez que o fato de estar deitado nada muda [...] E quando lembro que Pascal era o pároco da igreja e cuidava dos abandonados, a comparação me perturba: os 'pobres' não são mais como eram -mas os pensadores também não. Portanto, o 'despertar do pensamento'? Nós, você e eu, não queremos dormir. Mas estamos acordados?"
O trabalho técnico, mecânico e acelerado abole o tempo do pensamento, que exige virtudes atribuídas ao preguiçoso: paciência, lentidão, devaneio, acaso -o imprevisto. Em um texto célebre, Valéry nota: "O futuro não é mais como era". Isto é, não há mais o tempo lento do pensamento, momento em que o tempo não contava. Sabemos que é na vida meditativa e lenta que o homem toma consciência da sua condição.

SERES OCULTOS Ora, como escreveu ainda Valéry, o amanhã é uma potência oculta, e o homem age muitas vezes sem o objeto visível de sua ação, como se outro mundo estivesse presente, "como se ele obedecesse a ações de coisas invisíveis ou de seres ocultos".
Essa poderia ser uma boa definição do ocioso. Coisas invisíveis e seres ocultos participando do mundo do devaneio e do pensamento. Mundo do trabalho do espírito, em contraposição ao trabalho mecânico.
As ideias e os valores, lembra-nos Maurice Merleau-Ponty (1908-61), não faltam a quem soube, na sua vida meditativa, liberar a fonte espontânea, não deliberadamente, em direção a fins predeterminados por cálculos técnicos e produtivos. Todo trabalho finito e alienado é pura perda.
Através de uma admirável reversão, o meditativo transforma a desrazão do mundo do trabalho alienado em fonte de razão. Isso porque o trabalho meditativo do ocioso é um trabalho sem finalidade, sem "telos", um trabalho sem fim. O trabalho meditante do ocioso exige muito mais trabalho do que o trabalho mecânico. O trabalho da obra de arte e da obra de pensamento pede um tempo que não pode ser medido pelo relógio.

PREGUIÇOSO Como se pode, então, pensar essa figura que sempre teve péssima reputação? Talvez uma boa definição seja a de um autor inglês, Jerome K. Jerome (1859-1927), em seu livro "Pensamentos Preguiçosos de um Preguiçoso" (1886): "O que melhor caracteriza um verdadeiro preguiçoso é o fato de ele estar sempre intensamente ocupado. De início, é impossível apreciar a preguiça se não há uma massa de trabalho diante de si. Não é nada interessante nada fazer quando não se tem nada a fazer! [...] Perder seu tempo é uma verdadeira ocupação, e uma das mais fatigantes. A preguiça, como um beijo, para ser agradável, deve ser roubada".
Jerome K. Jerome leva-nos a pensar que a preguiça não é coisa passiva. Perder o tempo mecânico dá trabalho e exige enorme atividade do espírito.
O egípcio Albert Cossery é apresentado pela revista francesa "Magazine Littéraire" como o escritor contemporâneo que celebra a preguiça como uma arma de subversão política e como um modo de resistir à impostura das potências. Para Cossery, o exercício da preguiça tem o valor da arte de viver. Mas ele distingue dois tipos de preguiçosos: os idiotas e os reflexivos.
"Um idiota preguiçoso permanece idiota!", escreve. "E um preguiçoso inteligente é quem reflete sobre o mundo no qual vive. Mais você é ocioso, mais tempo você tem tempo para refletir... Esses são os valores da preguiça, que supõe, pois, dupla recusa: nosso mundo imediato e a triste realidade."
Mas o mais radical dos libelos contra o trabalho alienado continua a ser o pequeno ensaio de Paul Lafargue (1842-1911), "O Direito à Preguiça" (1880). "Trabalhem, trabalhem, proletários, para aumentar a fortuna social e suas misérias individuais; trabalhem, trabalhem, para que, tornados mais pobres, tenham mais razões ainda para trabalhar e tornarem-se miseráveis. Essa é a lei inexorável da produção capitalista".
Para Lafargue, o trabalho é invenção relativamente recente, uma vez que os antigos gregos desprezavam o trabalho e deliciavam-se com os "exercícios corporais" e os "jogos de inteligência". Ele critica a moral cristã ao proclamar o "ganharás o pão com o suor do rosto" e ao lembrar que Jeová, "depois de seis dias de trabalho, repousou por toda a eternidade".
Robert Louis Stevenson (1850-94), na "Apologia dos Ociosos" (1877), mostra que o ócio "não consiste em nada fazer, mas em fazer muitas coisas que escapem aos dogmas da classe dominante".

MELANCOLIA A tradição relaciona a melancolia e o devaneio à preguiça. Nisso, mais uma vez, igreja e capital estão juntos. O trabalho é o grande meio que a igreja encontrou para lutar contra a melancolia e a vertigem do tempo livre. Seu lema sempre foi "Rezai e trabalhai", ou seja, só abandonar a oração quando as mãos estiverem ocupadas.
Lemos em um ensaio de Jean Starobinski sobre a melancolia -"A Erupção do Diabo-" que o trabalho tem por efeito ocupar inteiramente o tempo que não pode ser dado à oração e aos atos de devoção: "Sua função", escreve ele, "consiste em fechar as brechas por onde o demônio poderia entrar, por onde também o pensamento preguiçoso poderia escapar". Assim, o trabalho interrompe o "vertiginoso diálogo da consciência com seu próprio vazio".
A crítica que Jean-Jacques Rousseau (1712-78) faz ao trabalho não é diferente. Na sétima caminhada dos "Devaneios de um Caminhante Solitário" (1782), ele busca a solidão, mas procura trabalhar tudo o que o cerca, escolhendo o mais agradável. Não escolhe os minerais porque, escondidos no fundo da terra "para não tentar a cupidez", exigem indústria, trabalho, pena e exploração dos miseráveis nas minas.
As plantas não. A botânica é o estudo de um "ocioso e preguiçoso solitário": "Ele passeia, erra livremente de um objeto a outro, passa em revista cada flor... Há, nesta ociosa ocupação, um charme que só se sente na plena calma das paixões, o que basta para tornar a vida feliz e tranquila. Mas, quando se mistura aí um motivo de interesse ou vaidade, seja para ocupar espaços, seja para escrever livros, ou quando se quer aprender apenas para se instruir ou pesquisar as plantas apenas para se tornar professor, todo o charme da tranquilidade se desfaz; [...] no lugar de observar os vegetais na natureza, ocupa-se apenas com sistemas e métodos".
O que importa hoje, talvez, é propor a luta do progresso contra o progresso; isto é, a valorização do progresso do espírito, a valorização dos valores contra o progresso técnico, esta "ilusão que nos cega". Eleger a quietude, o silêncio e a paciência para conhecer e aprofundar indefinidamente as coisas dadas.
Eis o ócio que Karl Kraus (1874-1936) nos propõe: "Se o lugar aonde quero chegar só puder ser alcançado subindo uma escada, eu me recusarei a fazê-lo. Porque lá aonde eu quero realmente ir, na realidade já devo estar nele. Aquilo que devo alcançar servindo-me de uma escada não me interessa".

"O que importa hoje, talvez, é propor a luta do progresso contra o progresso; isto é, a valorização do progresso do espírito, a valorização dos valores"

"Além de praticar crime contra a sociedade do trabalho, o preguiçoso comete pecado capital. Pela lógica do mundo do trabalho e da igreja, deve sentir-se culpado"

"O trabalho meditativo do ocioso é sem finalidade, sem "telos", um trabalho sem fim; exige muito mais trabalho do que o trabalho mecânico"

"O trabalhador é fixado no aparelho produtivo, no qual "o tempo da vida está submetido ao tempo da produção". O trabalho sequestrou o tempo"

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Recadinho de niver!!!

Ganhei uma frase linda da Lucci,  do blog http://cafedoceepoesia.blogspot.com/
é como diz o Glauco, siga o coelho branco!!!!

 "Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade."
Mário Quintana.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Folha de S.Paulo - Pensador cria regras para excesso de e-mails - 06/07/2011

Folha de S.Paulo - Pensador cria regras para excesso de e-mails - 06/07/2011

Pensador cria regras para excesso de e-mails

Chris Anderson tenta 'desafogar' os usuários

DE SÃO PAULO

O tempo médio que uma pessoa leva para responder a um e-mail é maior do que o usado para compor um original. Assim, os usuários acabam causando uma avalanche de mensagens virtuais.
Pensando nisso, Chris Anderson criou uma lista de dez grandes regras para colocar um fim nesse ciclo (emailcharter.org).
Anderson é curador do TED (www.ted.com), um evento que reúne especialistas de várias áreas para exporem suas ideias.
Em suas regras, o pensador propõe que o usuário tente não prejudicar a caixa de e-mail do destinatário de sua mensagem.
(AMANDA DEMETRIO)

Respeite o tempo do destinatário do e-mail
Como remetente, é sua a função de minimizar o tempo que o seu destinatário levará para responder o e-mail

Concisão e lentidão
Compreenda quando um e-mail demora para chegar e não dá respostas detalhadas. Ninguém quer soar grosseiro, então não leve para o pessoal

Clareza
Escreva o assunto do e-mail de maneira clara e, se achar necessário, use marcações como "[importante]" ou "[baixa prioridade]"

Evite perguntas abertas
Cuidado com e-mails longos finalizados com questões como "O que você achou?". É melhor fazer perguntas simples e fáceis de responder

Corte suas respostas sem conteúdo
Você não precisa responder a todos os e-mails. Se seu e-mail é apenas um "legal" ou "está OK", evite enviá-los

Diminua os rastros
Contexto é importante, mas você não precisa incluir todas as conversas anteriores no e-mail. Tente deixar só as mensagens mais relevantes -as três últimas bastam

Evite arquivos em anexo
Não use elementos gráficos, como assinaturas que aparecem como arquivos em anexo nos e-mails. Também evite enviar textos como arquivos em anexo

Seja claro quando não há necessidade de resposta
Se a mensagem que você está enviando não precisa ser respondida, seja claro. Finalize o e-mail com "não é preciso responder"

Cuidado com as cópias
Quando você adiciona uma pessoa em cópia em um e-mail, está multiplicando o tempo que a mensagem levará para ser respondida. Use a opção com cuidado

Desconecte-se
Idealmente, quanto menos tempo gastarmos com e-mail, menos e-mails receberemos. Considere dosar o tempo dedicado a eles e tire uma folga nos finais de semana

Fonte: emailcharter.org